UMA ÚNICA ORIGEM PARA AS MANCHAS OCELARES DAS BORBOLETAS DA FAMÍLIA NYMPHALIDAE.

Entender como novos traços evoluem ao longo do tempo envolve investigar o momento de origem dessa característica, bem como a origem da sua rede de genes reguladora dentro de um perfil filogenético amplo. As manchas ocelares de borboletas da família Nymphalidae têm servido como um bom exemplo de evolução de uma característica complexa, com vários genes expressos durante seu desenvolvimento. No entanto, a origem dessas manchas ocelares permanece ainda desconhecida. Usando um conjunto de dados de mais de 400 imagens de borboletas com uma filogenia conhecida e dados de expressão gênica de cinco genes associados a construção das manchas ocelares de mais de vinte espécies, um grupo de pesquisadores da New York University, United States of America testou diversas hipóteses de origem dessas estruturas e os genes associados a ela. A conclusão é que as manchas ocelares originaram-se uma única vez dentro da família Nymphalidae e vem evoluindo a aproximadamente 90 milhões de anos. Isso vem ocorrendo concomitantemente com a expressão de pelo menos três genes associados a um cluster de genes ao desenvolvimento precoce dos primeiros ocelos. Ficou evidente também a ocorrência de múltiplas perdas de expressão da maioria dos genes a partir deste conjunto de três genes precoces, mesmo sem ocorrer perda das manchas ocelares. Os autores propõem que características complexas como ocelos, podem ter se originado através de cooptação de uma grande rede de regulação genética complexa pré-existente que foi posteriormente simplificada a não cumprir obrigatoriamente sua função de desenvolvimento e sim de ornamentos que também tem um significado evolutivo.

Essas manchas ocelares já foram analisadas em alguns outros estudos que mostraram sua função importante tanto na manutenção da identidade da espécie quanto, em alguns casos, servir como mecanismo que origina novos padrões ocelares e consequentemente novas espécies. Neste ponto, a grande questão é; se borboletas fêmeas são programadas para identificar os machos de sua espécie pelos padrões de manchas em suas asas, como poderiam novos padrões de asa evoluir em machos?

Bicyclus anynana

Bicyclus anynana

Pensando nisto, biólogos estudaram a borboleta Bicyclus anynana que na natureza tem duas manchas ocelares em suas asas anteriores. Os pesquisadores descobriram que as borboletas fêmeas podem aprender a preferir machos com quatro pontos em suas asas anteriores. Outros estudos descobriram que invertebrados podem aprender novas preferências sexuais, então um teste foi feito usando borboletas com número de ocelos diferentes. Ele mostrou que quando a fêmea é exposta a machos com quatro pontos brilhantes sob a luz ultravioleta durante três horas as fêmeas não mostram mais a preferência para o tipo de machos encontrados na natureza, ou seja, não preferem as borboletas machos com dois ocelos, e sim as com quatro ocelos. A descoberta de que o ambiente social pode mudar a preferência de acasalamento de borboletas fêmeas ajuda a explicar como novos padrões de asa evoluir. Entretanto, Bicyclus anynana é somente uma borboleta da família dos ninfalídeos, e o que o estudo publicado pela New York University propõem é que todos os ninfalídeos tem uma origem única para suas manchas ocelares.

Pelo menos doze genes são conhecidos por serem expressos nas manchas ocelares durante o desenvolvimento das asas, e nas duas espécies modelo (Bicyclus anynana e Junonia coenia) acabam incluindo também alguns fatores de transcrição; o gene Antennapedia (ANTP), spalt (sal), engrailed (en), distal-less (Dll) e o receptor Notch transmembrana. No entanto, desses doze genes expressos nesses centros focais da mancha ocelar, pelo menos seis (ANTP, sal, DLL, Notch, patched e hedgehog) não são expressos em todas as espécies com ocelos. Esta variação na expressão gênica entre as espécies sugeriam inicialmente que as manchas ocelares poderiam não ser homólogas dentro da família Nymphalidae. Então, se ocelos evoluíram várias vezes dentro dos Nymphalidae, as redes de genes reguladores do desenvolvimento que regem a sua produção pode não ser necessariamente homólogas. Em contraste, se os ocelos surgiram uma única vez, a variação observada na expressão gênica parte de alterações específicas do desenvolvimento da linhagem geradora dos ocelos. Então o grupo de pesquisadores integrou dados morfológicos, filogenéticos e de desenvolvimento para avaliar a hipótese da homologia dos ocelos. A partir de perspectivas tanto morfológicas quanto de desenvolvimento de homologia descobriu-se que ocelos dos ninfalídeos e um cluster de genes associado a ele surgiram uma única vez, no início da evolução da família. A partir desta origem única, múltiplas perdas de expressão gênica têm ocorrido, sugerindo a origem de novos traços complexos a partir de um cooptação dessas redes de genes seguido da racionalização dos elementos que as compõem.

Pensando nesta relação de homologia, reconstruíram a história evolutiva das manchas ocelares usando caracteres de asa de adultos de 399 espécies representativas, incluídas em uma hipótese de relações filogenéticas da maioria dos gêneros da família. As estimativas indicaram três hipóteses, que o estado ancestral dos ocelos teria evoluído uma, duas, ou três vezes na história do clado. Para comparar a probabilidade de cada um desses cenários, foram realizados testes de razão de verossimilhança entre as hipóteses. Em todas as comparações, a hipótese da origem única proporcionou um ajuste significativamente melhor do que a de duas ou três origens, demonstrando que ocelos cumprem o critério de homologia filogenética. Elas provavelmente evoluíram perto da base do Nymphalidae, após a separação do basal do grupo Libytheinae, uma subfamília nymphalidae anterior a separação do grupo Danainae em um período de tempo relativamente curto de 10 milhões de anos.

A imagem abaixo mostra a origem dos ocelos inferida a partir desses 399 ninfalideos. A origem da expressão focal de genes nas manchas ocelares foi inferida a partir de perfis de expressão gênica de 23 espécies.

filogenia

Na imagem, a presença ou ausência de expressão de genes nas manchas ocelares é indicada pelas caixas em preto ou branco, respectivamente, e as caixas cinzentas indicam espécies/combinações de genes para os quais não estão disponíveis dados de expressão. As barras verdes indicam duas origens independentes de expressão ANTP. Em ambos (A) e (B), os tempos de divergência (em milhões de anos), são a partir de barras vermelhas sobre a filogenia indicam os possíveis locais de origem única de ocelos, enquanto barras amarelas indicam possíveis locais para a origem única da expressão gênica de sal, Notch, DLL.

Em uma segunda etapa do experimento foram usados perfis de expressão gênica de 21 ninfalídeos e outras duas espécies com ocelos para determinar se as redes de regulação de genes associados ao desenvolvimento das manchas ocelares são homólogas dentro da família dos ninfalídeos e entre as linhagens de outras borboleta. Redes são consideradas homólogas em dois ou mais táxons se todos os genes e suas interações reguladoras podem ser rastreados até a mesma rede ancestral comum mais recente. Quando a expressão focal é reconstruída sobre a história do Nymphalidae, a expressão de sal, Notch e DLL no centro das manchas ocelares foram estimadas como tendo surgido uma única vez a cerca de 90 milhões de anos atrás.

Estimativas sobre o estado ancestral para dois genes (ANTP e Em) eram ambíguas, com uma ou duas origens de expressão focal possíveis. Modelos simples de origem tiveram a maior probabilidade para En, enquanto que para ANTP tinha uma estimativa de máxima verossimilhança de duas origens. Os testes de verossimilhança sobre estes dois genes mostram um melhor ajuste do modelo defendendo duas origens para a expressão da ANTP representadas pelas barras verdes na figura B acima.

Estes resultados demonstram que a maioria dos genes associados as manchas ocelares investigados (sal, Notch, Dll e potencialmente En) tem uma única origem de expressão, apoiando a homologia da rede reguladora de gene. Manchas ocelares em borboletas da família Lycaenidae estão intimamente relacionados enquanto a família Papilionidae estão mais distantes e não expressam quaisquer genes pesquisados. Isso sugere uma origem independente e desenvolvimento distinto. Uma analise superficial de outras linhagens borboleta (Riodinidae e Pieridae) sugere que ocelos são raros nestes clados e são mais propensos a ter evoluído várias vezes recentemente, ao invés de uma só vez, no início de seus respectivos caminhos evolutivos.

Butterflies

Tendo genes homólogos, redes de expressões gênicas homólogas os pesquisadores se propuseram como avaliação final de homologia uma nova abordagem. O estudo buscou então visualizar se os padrões temporais de expressão gênica dentro da rede foram conservados em taxa, ou seja, se são homólogos. Redes reguladoras de genes homólogas devem mostrar padrões temporais relativamente semelhantes de expressão. Em redes não homólogas não seria esperado que mostrassem genes expressos na mesma ordem entre os taxa. Trabalhos anteriores usando borboletas Junonia coenia e Bicyclus anynana sugerem que os genes focais das manchas ocelares são expressos na seguinte ordem: ANTPsalNotchEnDll. O estudo então estabeleceu o perfil de expressão focal em quatro táxons (B. anynana, Colobura Dirce, Vanessa cardui, e J. coenia), abrangendo aproximadamente 85 milhões de anos de divergência e testando a conservação no tempo relativo de expressão nas manchas ocelares. A conservação temporal de expressão focal foi altamente suportada em B. anynana, C. dirce, e V. cardui como pode ser visto no esquema, embora duas das três comparações em J. coenia não foram significativas.

A expressão generalizada de Distal-less e Spalt nas manchas ocelares de ninfalídeos sugerem a conservação de características funcionais desses fatores de transcrição no padrão de desenvolvimento das asas. Com exceção da ANTP, genes associados ás manchas ocelares apresentam evidências claras de instabilidade evolutiva. Os genes estimados para ter evoluído simultaneamente com ocelos (sal, Notch, DLL e possivelmente En) não são expressos em todas as manchas ocelares. Estudos anteriores mostraram como a perda da expressão gênica em redes complexas de regulação estão associadas a perda de um traço. Em borboletas nymphalidae existe um padrão de diminuição de rede sem que haja perdas concomitantes dos ocelos. Embora exista uma variação no número de genes expressos em diferentes espécies e do número de anéis de cores nos ocelos dos adultos, o estudo não encontrou nenhuma relação entre as duas quantidades. Esta variação generalizada no número de genes expressos durante o desenvolvimento da mancha ocelar sugere alguns elementos da rede reguladora do gene, em algumas espécies podem não mais desempenhar um papel essencial no desenvolvimento dos ocelos.

A simplificação da rede é provável que ocorra quando os genes cooptados para o novo contexto não são funcionais na produção de uma nova característica. A perda da expressão do gene pode acontecer uma vez que os genes de uma rede ou os seus elementos cis-regulatórios são duplicados, permitindo a sub-funcionalização e especialização de cada exemplar para uma função diferente. Este processo de duplicação e especialização prevê perdas de expressão em novos contextos enquanto que a expressão é retida no contexto original. Alternativamente, os genes da rede original podem ser secundariamente cooptados a funcionar no desenvolvimento do novo traço devido à sua expressão.

expressao ocelar

Os genes que não são funcionais ou desnecessários podem ser subsequentemente removidos da rede, como mostrado no esquema acima os genes 2 e 3. Isso pode ocorrer sem eliminar a característica. Genes expressos em traços homólogos de todos os táxons podem representar uma rede de elementos reguladores, como os genes 1 e 4 que são essenciais para o desenvolvimento da nova característica.

Pensando na origem das manchas ocelares este grupo de pesquisadores se baseou nas relações filogenéticas dos ninfalídeos para reconstruir os estados ancestrais de ocelos em tempos de divergência. Ele incluiu todas as 29 espécies Papilionoidea selecionadas como grupos externos na mesma estimativa filogenética. As espécies do grupo de fora incluíam representantes de todas as três subfamílias de Riodinidae, seis das sete famílias de Lycaenidae porque formam um clado irmão do Nymphalidae. Para testar as três hipóteses de origem para a evolução de ocelos usaram o pacote de análises filogenéticas chamado BayesTraits e compararam as probabilidades entre as hipóteses. No total, foram comparadas seis diferentes hipóteses. Baseado nas relações entre os ninfalídeos ainda estimou-se as relações entre as famílias de borboletas e o estado ancestral de expressão focal de genes das manchas ocelares associadas a 21 espécies de ninfalideos, uma espécie de licenídeo e uma espécie de papilionideo.

Estimou-se também o tempo de divergência entre pares de espécies. Foram usadas Vanessa cardui comparado com V. virginiensis e Hamadryas amphinome com H. Februa. O tempo de divergência foi feito com base nas sequencias de DNA mitocondrial da subunidade I do complexo transmembranar citocromo oxidase disponíveis no GenBank. As estimativas foram feitas usando 2,3% de divergência de seqüência por milhão de anos. Constatou-se que as duas espécies de Vanessa diferiam, em média, de 5,45%, obtendo-se um tempo de divergência de 2,37 milhões de anos. A diferença média entre os dois pares de espécies Hamadryas foi de 5,71%, ou, um tempo de divergência de 2,48 milhões de anos. Tal como acontece com as análises de dados morfológicos, os valores dos parâmetros da taxa foram simultaneamente otimizados com estimativas do estado ancestral. A expressão de três genes sal, Notch e DLL foram reconstruídas de forma a evoluir uma única vez, enquanto que dois genes, ANTP e En exigem testes explícitos de origem para distinguir entre uma ou duas hipóteses de origem. O tempo relativo da expressão focal dos genes para determinar se o tempo de expressão focal diferiu entre os genes individuais, foi utilizado um método adaptado a partir de estudos da expressão de RNAm, o qual apresenta uma hipótese nula de expressão temporal idêntico entre um par de genes. Os dados observados de cada gene são, então, uma representação clara de uma única relação subjacente entre o estágio de desenvolvimento e expressão do gene focal.

Em conclusão, as borboletas da família nymphalidae têm manchas ocelares homólogos em todos os sentidos; genes, redes gênicas e a dinâmica de atuação desses genes são homologas. Surgiram a partir de cooptação de funções genéticas e a perda de genes secundários não afeta necessariamente a característica ocelar desses animais.

Em conclusão, as manchas ocelares são homologas em todos os sentidos. Isso quer dizer que os genes, redes de genes e a dinâmica de sua atuação são a mesma em toda a família dos ninfalídeos e que são fruto da cooptação de funções. Sabemos agora que genes secundários podem ser perdidos sem que as características desapareçam do animal.

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Referências bibliográficas

* Jeffrey C. Oliver mail, Xiao-Ling Tong, Lawrence F. Gall, William H. Piel, Antónia Monteiro. A Single Origin for Nymphalid Butterfly Eyespots Followed by Widespread Loss of Associated Gene Expression. New York University, United States of America. August 16, 2012

* Erica L. Westerman, Andrea Hodgins-Davis, April Dinwiddie, and Antónia Monteiro. Wing Bling: For Female Butterflies, Flashier Is Better. Science daily. June 11, 2012

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