O RACISMO CIENTÍFICO FOI REALMENTE CIENTÍFICO?

O “racismo científico” é um conjunto de crenças pseudocientíficas que defende a existência de evidências empíricas para apoiar ou justificar a segregação e discriminação racial, inferioridade e superioridade racial.

A craniometria, a antropometria, a frenologia foram pseudociências usadas ao longo do século XIX e na primeira metade do século XX na tentativa de legitimar pensamentos raciais de uma origem poligênica da humanidade. Além do desenvolvimento dessas pseudociências, também surgiram cursos, livros, teses, jornais, revistas científicas, instituições, sociedades, grupos de pesquisa, etc., principalmente no XIX, voltados para o estudo da frenologia, antropometria, craniometria, eugenia, miscigenação, degeneração, anatomia e biologia humana, antropologia, etnografia, etc.

O racismo científico empregou conceitos da antropologia, antropometria (medições do corpo humano para fazer inferências), a craniometria (medições dos crânios) e outras pseudo-disciplinas para propor tipologias antropológicas que apoiam a hierarquização de populações humanas em raças fisicamente distintas, com origens distintas e consequentemente fundamentar segregações sociológicas superiores ou inferiores.

O racismo científico tem sido amplamente criticado pela comunidade acadêmica, especialmente a partir da segunda metade do século XX, embora tenha historicamente persistido e muitas vezes utilizado na tentativa de justifica, apoiar ou validar cosmovisões racistas.

Historicamente tivemos diversos pensadores, inclusive famosos e importantes para a humanidade, que fizeram discursos racistas e segregacionistas se compararmos com os atuais dias. Claro, em suas respectivas épocas tais posturas não eram consideradas ilegais, embora claramente sejam atualmente imorais. É importante reconhecer o período em que viveram para evitar anacronismos. Por exemplo, na Grécia antiga a escravidão era claramente justificada por argumentos filosóficos. Aristóteles legitimava-a alegando que os escravos não participavam das decisões da polis e por não haver nestes indivíduos capacidade de escolha alguém deveria tomar decisões por eles em suas vidas. Na filosofia aristotélica o escravo é aquele que por natureza, sendo homem, não pertence a si próprio, mas por outro. Trata-se de pessoas nascidas pra ser escravos segundo seu papel natural no cosmo.

Este é um pensamento abominável atualmente, mas na Grécia antiga era claramente defendido. A humanidade demorou para alcançar o nível em que condena a escravidão, embora em alguns lugares ela ainda seja mantida em certas circunstâncias. A escravidão e o racismo permanecem embora não haja justificativa biológica alguma, o que reflete que cada sociedade tem uma percepção do conceito de raça que é distinta. Ser negro no Brasil é entendido de modo diferente de ser negro na Inglaterra ou nos EUA.

O que queremos destacar aqui é que durante a história da humanidade o preconceito passou por tentativas de se justificar e legitimar, usando todos os argumentos possíveis: filosóficos, científicos, religiosos, sociológicos, antropológicos ou qualquer forma que pude-se de alguma forma legitimá-lo.

Isto indica que ciência, filosofia, religião são amplamente influenciados pelo momento histórico e contexto cultural na qual ocorreu, mas ainda sim, injustificável. O contexto atual de crítica a concepção de raça, que começou na metade do século XX, condena tal termo. Raça não é um termo biológico, mas sim sociológico. A ideia de raças para a biologia não faz sentido algum, pois as variedades recorrentes dentro de uma espécie indicam variabilidade desta, e em nada permite afirmar que uma variedade A seja superior ou inferior a variedade B, até porque ambas pertencem a mesma espécie. Do mesmo modo, uma espécie A e uma espécie B não podem ser categorizadas em superior e inferior quando ambas vivem e preenchem seus respectivos habitats. Neste sentido, um gorila não pode ser considerado inferior a um chimpanzé – ou vice e versa – uma vez que ambas espécies permanecem vivas, adaptadas perpetuando-se. Raça é, portanto, uma concepção não biológica e construída socialmente para tentar legitimar pressupostos falaciosos.

Na história da ciência, um dos primeiros cientistas que estudou o termo “raça” foi Robert Boyle (1627-1691), considerado um dos pais da química. Boyle acreditava no que hoje é chamado de “monogenismo”, isto é, que todas as raças – não importa quão diversas – vieram de um mesmo ancestral: Adão e Eva. Ele estudou histórias de pais que tiveram filhos albinos e concluiu que Adão e Eva eram originalmente brancos – e que brancos podiam dar à luz diferentes raças coloridas.

Em contrapartida, as ideias de Robert Hooke (1635-1703) e Isaac Newton (1643-1727) sobre cor e luz visível a dispersão óptica davam fôlego ao argumento a favor da poligênese (14), especulando que talvez essas diferenças ocorressem devido as “impressões seminais”.

Voltaire (1694–1778), um filosofo francês do Iluminismo era poligenista e acreditava que cada raça tinha origens separadas. Voltaire achou o monogenismo bíblico ridículo:

“É uma questão séria entre eles se os africanos são descendentes de macacos ou se os macacos vêm deles. Nossos sábios disseram que o homem foi criado à imagem de Deus. Agora aqui está uma bela imagem do Criador Divino: um nariz achatado e preto com pouca ou quase nenhuma inteligência. Um tempo virá, sem dúvida, quando esses animais souberem cultivar bem a terra, embelezar suas casas e jardins e conhecer os caminhos das estrelas: é preciso tempo para tudo”.

(Voltaire 1733)

Ao olhar para os europeus a negros, Voltaire os comparou a diferentes raças de cães:

“A raça negra é uma espécie de homem diferente da nossa, tal como a raça dos spaniels e a raça dos galgos. A membrana mucosa, ou rede, que a Natureza espalhou entre os músculos e a pele, é branca em nós e preta ou cor de cobre”.

(Jackson & Weidman, 2005)

Immanuel Kant (1724-1804), eminente filósofo alemão encorajou a analise do interior do homem, em vez de fazer inferências com base no físico exterior (Hannaford, 1996). Em 1775, Kant publicou “Sobre as diferentes raças do homem” (Über die verschiedenen Rassen der Menschen), que propunha causas naturais ou intencionais de variação, em oposição à lei mecânica ou a um produto do acaso. Kant categorizou quatro raças humanas fundamentais: brancos, negros, kalmuck e hindustânicos, atribuindo suas variações a diferenças de ambiente e clima, como o ar e o sol. Contudo, Kant esclareceu que a variação servia a um propósito e não era puramente superficial. Kant argumentou que os seres humanos estavam equipados com as mesmas sementes e as pré-disposições naturais ou características – quando eram expressas – dependiam do clima e serviam a um propósito devido à circunstância. Portanto, para Kant a raça não pode ser desfeita por mudanças no clima.

O mesmo vale para tantos outros pensadores e cientistas que fizeram discursos que atualmente seriam considerados ilegais e racistas: Georges Cuvier, Arthur Schopenhauer, Benjamin Franklin e até mesmo Abraham Lincoln.

Benjamin Franklin considerava a inferioridade dos negros algo puramente cultural e remediável, mas destacou a esperança de que a América se tornasse uma nação de brancos livre de cores menos agradáveis.

Lincoln, ícone do abolicionismo nos EUA fez manifestações polêmicas:

“Existe uma diferença física entre as raças brancas e negras que em minha opinião, sempre impedirá que as duas raças vivam juntas em condições de igualdade social e política. E, na medida que não podemos viver dessa maneira, enquanto permanecerem juntas deverá existir uma posição de superioridade e uma de inferioridade, e eu, tanto quanto qualquer outro homem, sou a favor de que essa posição de superioridade seja conferida a raça branca”

(Gould, 1999)

Thomas Jefferson, terceiro presidente dos EUA chegou a dizer que “Qualquer que seja o grau dos seus talentos [os negros], ele não é a medida dos seus direitos”.

De fato, Jefferson expressou também:

“Sugiro, portanto, apenas como conjectura, que os negros, quer constituindo originalmente uma raça distinta, quer diferenciados pelo tempo e pelas circunstâncias, são inferiores aos brancos tanto física quanto mentalmente”

(Gould, 1999)

Charles Darwin, em “A Origem das Espécies” (1859), não discutiu as origens humanas. Sua tese apenas acrescentou por meio de seleção natural, ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida, usa o termo geral “raças” como uma alternativa para “variedades” e não carrega a conotação moderna de raças humanas.

O primeiro uso do termo no livro refere-se às “várias raças, por exemplo, do repolho” e segue sua tese discursando sobre “as variedades hereditárias ou raças de nossos animais domésticos e plantas” (Darwin, 1859). Em seu livro “The Descent of Man” (1871), Darwin examinou a questão da evolução humana e suas variedades e não relatou nenhuma distinção racial que indicasse que as raças humanas são espécies distintas. De fato, mesmo antes de sua tese ser elaborada, Darwin quando pisou no Brasil em 1832 presenciou uma situação na qual abominou: um escravo brasileiro que foi açoitado pelo seu senhor por ter oferecido um copo de água meio turva a Darwin. Charles Darwin registrou isto em seu diário de bordo no H.M.S Beagle e condenou a escravidão no Brasil:

“Perto do Rio de Janeiro, minha vizinha de frente era uma velha senhora que tinha umas tarraxas com que esmagava os dedos de suas escravas. Em uma casa onde estive antes, um jovem criado mulato era, todos os dias e a todo momento, insultado, golpeado e perseguido com um furor capaz de desencorajar até o mais inferior dos animais. Vi como um garotinho de seis ou sete anos de idade que foi golpeado na cabeça com um chicote (antes que eu pudesse intervir) porque me havia servido um copo de água um pouco turva…E essas coisas feitas por homens que afirmam amar ao próximo como a si mesmos, que acreditam em Deus e rezam para que Sua vontade seja feita na terra!”

Mesmo com esta clara manifestação de Darwin contra a postura opressora, alguns grupos que rejeitam a teoria da evolução argumentam que Darwin fez um discurso preconceituoso em seu livro “The Descent of Man” quando disse:

“At some future period, not very distant as measured by centuries, the civilised races of man will almost certainly exterminate and replace throughout the world the savage races. At the same time the anthropomorphous apes, as Professor Schaaffhausen has remarked, will no doubt be exterminated. The break will then be rendered wider, for it will intervene between man in a more civilised state as we may hope, than the Caucasian and some ape as low as a baboon, instead of as at present between the negro or Australian and the gorilla.”

 “Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos… serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”
(The Descent of Man, p. 178)

O grande equívoco apresentado pelo movimento anti-evolução está em não citar o parágrafo que antecede o trecho citado acima. O parágrafo anterior diz:

“A grande distância na cadeia orgânica entre o homem e seus aliados mais próximos, os quais não podem ser ligados por nenhuma espécie viva ou extinta, tem freqüentemente avançado como uma grave objeção para a ideia de que o homem avançou de espécies inferiores; mas essa objeção não parecem ter tanto peso para aqueles que, por razões gerais, entendem os princípios gerais da evolução. Lacunas sempre ocorrem em todas as partes das séries, algumas sendo largas, vivas e definidas, outras menos, em vários degraus; como nos orangotangos e nossos aliados – entre o Tarsius e outros Lemuridae – entre o elefante e de uma maneira mais radical entre o ornitorrinco e a equidna, e todos os outros mamíferos. Mas essas distâncias dependem somente de quantas espécies se tornaram extintas. Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens…”

Darwin referia-se ao processo de extinção das espécies vivas de primatas que aumenta a distância entre o homem e o seu ancestral vivo mais próximo. Darwin não diz nada a respeito da superioridade ou inferioridade entre homens negros e brancos. Além disto, muitos dos sociólogos e pensadores cristãos da época de Darwin acabaram defendendo teses poligenistas, como por exemplo Louis Agassiz. Agassiz disse:

“Afirmo, portanto, que eles são incapazes de viver em pé de igualdade social com os brancos, no seio de uma única e idêntica comunidade social, sem se converter em um elemento de desordem social.”

Como a maioria dos partidários de Darwin, o embriologista Ernst Haeckel (1834-1919) apresentou uma doutrina do poligenismo evolucionista baseada nas idéias do lingüista e também poligenista August Schleicher – em que vários grupos de línguas diferentes surgiram separadamente do pré-humano original. Essas línguas separadas completaram a transição dos animais para o homem e, sob a influência de cada ramo principal das línguas, os seres humanos evoluíram como uma espécie separada, que poderiam ser subdivididas em raças.

Haeckel dividiu os seres humanos em dez raças, das quais o caucasiano era o mais alto e o restante era primitivo e estavam condenados à extinção (Jackson & Weidman, 2005). Haeckel também foi um defensor da teoria da Ásia como o berço da origem da humanidade. Para ele, o Hindustão (Sul da Ásia) era a localização real onde os primeiros humanos haviam surgido. Haeckel argumentou que os humanos estavam intimamente relacionados com os primatas do sudeste asiático e rejeitou a hipótese de Darwin sobre a África (Palmer, 2006 & Regal, 2004).

Haeckel também escreveu que os negros têm dedos dos pés mais fortes e são mais livres do que o encontrado em qualquer outra raça, o que supostamente ligaria o homem negro a um parentesco com os macacos. Haeckel também acreditava que os negros eram selvagens e que os brancos eram os mais civilizados (Jahoda, 1999).

Outros nomes do racismo científico foram comuns no século XIX, como por exemplo, Binet, Paul Broca, Cesare Lombroso e Samuel Morton.

Alfred Binet, um pedagogo e psicólogo francês que ficou conhecido por sua contribuição no campo da psicometria, sendo considerado o inventor do primeiro teste de inteligência, a base dos atuais testes de Q.I. Cesare Lombroso (1835-1909) foi um psiquiatra, cirurgião, higienista, criminologista, antropólogo e cientista italiano. Os conceitos de Lombroso, fundamentados na pesquisa das características do indivíduo delituoso, a denominada “Antropologia Criminal”, acabou por definir o termo “Delinquente Nato”. Tendo como principal fonte conceitual o livro “O Homem Delinquente”, o dito “Delinquente Nato” teria como origem comportamental o atavismo, levando-se em conta uma visão deturpada da tese evolucionista de Charles Darwin, pela qual o sujeito atávico é aquele menos desenvolvido na escala evolutiva, sendo ele ainda submetido ao estado selvagem. Neste contexto, era objeto de atenção de Lombroso na determinação do criminoso nato, por exemplo, a tatuagem, sendo ela um indício de sua insensibilidade e selvageria, fatores intrínsecos ao atavismo. Para Lombroso o indivíduo criminosos tinha características que permitiam o estudo da anatomia determinar quem se tornaria um criminoso mesmo sem saber se a pessoa tinha cometido, ou não, um crime (Lombroso – ed Icone 2013).

Mesmo geólogos e paleontólogos, como Georges Cuvier (1769-1832) e Chales Lyell (1797-1875) tinham posturas que viam o negro com inteligência insuficiente. J. F Blumenbach que era antropólogo e zoólogo alemão acreditava que a as diferenças raciais eram fruto de condições climáticas rechaçando hierarquias sociais baseadas na beleza e capacidade mental.

O pensamento de Louis Agassiz influenciou muitas pessoas. Um dos maiores defensores da concepção de raça foi Samuel Morton, graduado em medicina duas vezes. Além da formação em anatomia, Morton era físico e um Quaker que usava seus estudoso do corpo para argumentar contra o monogenismo. Ele dizia que a bíblia apoiava a tese do poligenismo e portanto as raças brancas e negras foram concebidas divinamente de forma separada.

Morton começou uma coleção de crânios em 1820 e no ano de sua morte, em 1851, já continha mais de mil crânios. Para ele e colegas (George Combe) os aborígenes retrocederam permanentemente diante da raça anglo-saxônica.

Os seguidores de Samuel Morton, especialmente o Dr. Josiah C. Nott (1804-1873) e George Gliddon (1809-57), ampliaram as idéias do Dr. Morton em “Types of Human” (1854), alegando que suas descobertas apoiavam a noção de poligenismo defendendo a humanidade com diferentes ancestrais. Para eles, as raças eram evolutivamente não-relacionadas além de defender a ancestralidade humana a partir da hipótese da multi-regionalidade humana.

Estas linhas de pensamento promovidas por cientistas da época e por sociólogos e antropólogos eram utilizadas para tentar dar um fundo empírico e verdadeiro a justificativas preconceituosas, mas que na prática carecia de fundamentos.

Stephen Jay Gould em uma obra “A Falsa Medida do Homem” (1999) avalia criticamente todos os pressupostos sociológicos do racismo científico e demonstra diversas falhas para as justificativas.

Gould reavaliou os dados de Morton no ano de 1977 e seus dados estatísticos, encontrando uma série de falsificações e acomodações de dados para justificar a segregação racial. Em muitos estudos de Morton houve seleção de crânios masculinos (que são maiores) para viciar os dados, e retiradas de crânios menores comparando-os com os demais grupos que também sofreram com o viés estatístico intencional para justificar a segregação. Com uso destas medidas e da frenologia ele defendeu que os indígenas eram intelectualmente inferiores em suas estruturas mentais; que hotentotes eram próximos a animais inferiores; que esquimós eram insensíveis e extremamente egoístas. Para Morton, índios não se adaptam as limitações impostas pela educação caucasiana e são incapazes de raciocinar (Gould, 1999).

O problema é que o resultado que Morton obteve de suas medições foi obtido de 144 crânios analisados de grupos muito diferentes e generalizados posteriormente. E esses crânios tinham diferenças significativas em suas capacidades. A média dos diferentes crânios deveria ajustar-se a um critério de igualdade para que a média final não fosse distorcida pelo tamanho desigual das amostras parciais. Isto significa que os estudos de Morton foram viciados e tendenciosos, pois foi constatado que Morton conhecia os métodos estatísticos corretos e como as variáveis deveriam ser tratadas nos cálculos estatísticos. Portanto, intencionalmente enviesou os resultados.

Gould introduziu as médias de crânios de índios excluídos no estudo de Morton e recalculou. O resultado foi que se os 17 crânios ignorados por Morton fossem parte da matriz estatística como deveriam ser, eles constituiriam 26% da amostragem total composta por 66 crânios. O resultado foi que a média caucasiana caiu de 87 para 84,4 polegadas cúbicas e não havia diferença craniana alguma para justificar a segregação racial. Pior, o grupo de esquimós que estudou forneceu uma média de 86,8 polegadas cubicas que foram ocultadas em outros subgrupos analisados (Gould, 1999).

As análises cranianas que Morton fez para tentar segregar intelectualmente homens e mulheres também estavam cheias de vieses estatísticos e expressaram somente o dimorfismo sexual e nada tem a ver com inferioridade intelectual. Uma vez que o tamanho do cérebro é relacionado com a massa corpórea e as pessoas mais altas tendem a ter cérebros maiores, esta foi uma variável que enviesou os dados de Morton. E claro, humanos do sexo masculino tem uma massa corporal em media 20% maior que a fêmea; fruto do nosso ligeiro dimorfismo sexual (comum em primatas). Notavelmente, sem considerar todas estas variáveis, Morton obteve conclusões erradas e tendenciosas para justificar a suposta inferioridade de mulheres socialmente sugerida. Além disto, como Morton usava sementes, ao medir crânios de caucasianos e apertava-as para que coubesse mais e sacudia-o para acomodar melhor as sementes, alterando as amostragens desde o início dos estudos. Assim, ao analisar crânios chineses ele retirava amostras de crânios que eram maiores, ocultou crânios de esquimós em análises, usou desigualdade numérica nos crânios de índios, excluiu amostras de crânios hotentotes do sexo feminino e não considerava a estatura baixa deste grupo (Gould, 1999).

Enfim, Morton e tantas pessoas posteriores a ele usaram características frenológicas, determinismo biológico e testes psicológicos para determinar categorizações e hierárquicas sociais. Todas estas tentativas do século XIX foram descartadas pela ciência e hoje são configuradas dentro de pseudociências porque não tem respaldo do método científico.

Conclusão

A pesquisa racial tem uma longa história controversa. Na virada do século XX, o sociólogo e líder dos direitos civis W. E. B. Du Bois foi o primeiro a sintetizar a pesquisa científica natural e social para concluir que o conceito de raça não era uma categoria científica. Du Bois sustentou que as diferenças no investimento a questões de saúde entre negros e brancos resultou de desigualdades sociais e não biológicas, afastando o determinismo biológico que muitas vezes era usado para justificar posturar racistas e mesmo eugênicas.

A comunidade científica orienta os pesquisadores a distinguir termos como “ascendência” da noção taxonômica como a de raça. Ascendência é um conceito baseado em processo, uma declaração sobre a relação de um indivíduo com outros em sua história genealógica; assim, é uma compreensão muito pessoal do patrimônio genômico. Raça, por outro lado, é um conceito baseado em padrões que cientistas e leigos tentam usar para tirar conclusões sobre a organização hierárquica dos seres humanos, que ligam um indivíduo a uma noção pré-concebida geograficamente circunscrita ou grupo socialmente construído.

As revistas científicas e sociedades profissionais devem encorajar o uso de termos como “ascendência” ou “população” para descrever agrupamentos humanos em estudos genéticos e deve exigir que os autores definam claramente como eles estão usando tais variáveis. É preferível se referir a ancestralidade geográfica, cultura, status socioeconômico e linguagem, entre outras variáveis, dependendo das questões a serem abordadas, para desembaraçar a complicada relação entre os seres humanos, em sua história evolucionária e sua saúde – evitando discursos higienistas eugenistas. Alguns demonstraram que a substituição de tais termos para a raça nada muda se o pensamento racial subjacente permanece o mesmo. Mas questões de linguagem, e a linguagem científica da raça tem uma influência considerável sobre a forma como o público (que inclui cientistas) entende diversidade humana.

As pessoas conseguem ver o potencial da ciência em explicar fenômenos complexos, portanto, ela tem um peso considerável para demonstrar as pessoas que a ideia de raça com justificativa biológica é uma falácia; e que o discurso pró-racista é uma construção sociológica que carece de legitimação. Apesar do racismo existir e ser algo que precisa ser combatido, ele não tem justificativa ou coerência alguma.

A eliminação progressiva da terminologia racial em ciências biológicas envia uma mensagem importante dos cientistas para o público em geral, e mesmo entre os cientistas: de que categorias raciais históricas que são tratadas como naturais e infundidas com noções de superioridade e inferioridade não tem lugar na biologia.

Nós sabemos hoje da má intenção do uso do termo “raça” como categoria política ou social para estudar o racismo e seus efeitos biológicos, e embora repleta de desafios, continua a ser necessária (AAAS, 2017).

Victor Rossetti

Palavras chave: NetNature, Rossetti, Racismo Científico, Determinismo biológico, Louis Agassiz, Samuel Morton, Cesare Lombroso.

 

Referências

Darwin, C. The Origin of Species. 1859
Gould, S. J. A Falsa medida do Homem. Editora Martins Fonte. 1999.
Jahoda, G. Images of Savages: Ancients [sic] Roots of Modern Prejudice in Western Culture, 1999.
Hannaford, Ivan. Race: the History of an Idea in the West. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1996.
Jackson, John P.; Weidman, Nadine M. (2005). Race, Racism, and Science: Social Impact and Interaction. Rutgers University Press. pp. 39–41.
Lombroso,  C. O Homem Delinquente, Ed. Icone, 2013
Palmer, D. (2006). Prehistoric Past Revealed: The Four Billion Year History of Life on Earth. Berkeley: University of California Press.
Regal, Brian (2004). Human Evolution: A Guide to the Debates. Santa Barbara, Calif: ABC-CLIO. pp. 73–75.
Voltaire. The Works of Voltaire, Vol. XIX (Philosophical Letters) (1733).

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