AS RAÍZES DA ALQUIMIA – SUAS ATIVIDADES NA ÍNDIA, CHINA, IMPÉRIO ÁRABE E EUROPA MEDIEVAL.

A alquimia foi uma tradição filosófica-mística praticada na Europa, África e Ásia que buscava purificar, amadurecer e aperfeiçoar certos objetos físicos. Dentre seus diversos objetivos estavam a crisopéia (transmutação do ouro), a transmutação de “metais básicos” (por exemplo, chumbo) em “metais nobres”, particularmente ouro; a criação de um elixir da imortalidade; a criação de panacéas (preparados medicinais) capazes de curar qualquer doença e o desenvolvimento do alkahest, um solvente universal.

A perfeição do corpo humano e da alma era um objetivo muto importante para os alquímicos. Resultaria do Opus magnum e na tradição helenística-ocidental, a realização da gnose (do conhecimento total absoluto) (Linden, 1996). Na Europa, a busca por uma pedra filósofal foi o principal motivo para o desenvolvimento de projetos alquímicos.

Durante o século XVII, com a tradução de obras islâmicas sobre ciência e a redescoberta da filosofia de Aristóteles, os alquimistas europeus desempenharam um papel importante na ciência moderna (Eddy et al, 2014), principalmente na química e medicina. Os alquimistas islâmicos e europeus desenvolveram uma estrutura de técnicas básicas laboratoriais, terminologias e métodos experimentais muitos dos quais ainda estão em uso até os dias atuais. Graças aos alquímicos temos ácidos como o nítrico e o sulfúrico e, apesar da produção de elementos e de descobertas importantes na história da ciência, eles seguiam com sua crença da antiguidade em quatro elementos (de Empédocles e Aristóteles) e guardavam seu trabalho em segredo.

A alquimia era guiada por princípios herméticos relacionados à magia, mitologia e religião (Hanegraaff, 2012). Em várias tradições os princípios alquímicos existem há mais de quatro milênios em ao menos em três continentes. A inclinação geral dessas tradições para a linguagem simbólica torna difícil traçar suas influências mútuas e relacionamentos históricos das práticas alquímicas entre diferentes culturas. Contudo, podemos distinguir pelo menos três vertentes principais, que parecem ser amplamente independentes, pelo menos em seus estágios anteriores: a alquimia chinesa, a alquimia indiana e a alquimia ocidental que ocorreu ao redor do Mediterrâneo – cujo centro se deslocou ao longo dos milênios do Egito greco-romano ao mundo islâmico e, finalmente, chegou à Europa medieval.

A alquimia chinesa, obviamente esteve intimamente ligada ao taoísmo enquanto a alquimia indiana com as crenças dármicas. A alquimia ocidental desenvolveu seu próprio sistema filosófico que era amplamente independente, mas influenciado por várias religiões ocidentais. A questão do relacionamento histórico entre elas esta aberta na busca de tentar entender se influenciaram-se uma na outra.

Alquímia na Índia e China

O livro de Vedas do Hinduísmo descreve uma conexão entre a vida eterna e o ouro (Multhauf & Gilbert, 2008) Foi documentado pela primeira vez o uso de mercúrio nas práticas alquímicas no “Arthashastra” que data do século III ou IV. Os textos budistas dos séculos II a V mencionam a transmutação de metais comuns para o ouro. Considerando a data, é possível que a alquimia grega possa ter sido introduzida na Índia antiga através das invasões de Alexandre o Grande em 325 a.c, e os reinos foram culturalmente influenciados pelos gregos – como Gandhāra – que devem ter mantido a prática, embora faltem evidências para isso (Multhauf & Gilbert, 2008).

Na Índia, os objetivos da alquimia incluíram a criação de um corpo divino (sânscrito divya-deham) e da imortalidade (sânscrito jīvan-mukti). Os textos alquímicos sânscritos incluem muitos discursos sobre o manuseio do mercúrio e do enxofre, que são homogenizados com o sêmen do deus Śiva e o sangue menstrual da deusa Devī.

Certos textos alquímicos antigos ainda demonstram ter suas origens nas escolas tântricas de Kaula associadas aos ensinamentos da personalidade de Matsyendranath. Outros textos iniciais ainda apresentam tratados médicos, como o Jaina Kalyāṇakārakam de Ugrāditya, escrito no sul da Índia no início do século IX (Meulenbeld, 2002). Dois autores alquímicos indianos importantes foram Nāgārjuna Siddha e Nityanātha Siddha.

Nāgārjuna Siddha era um monge budista, e seu livro “Rasendramangalam”, é um exemplo de como a alquimia e medicina estavem presentes da Índia entre os anos 150 e 250. Nityanātha Siddha escreveu “Rasaratnākara”, também um trabalho altamente influente na época. Em sânscrito, “Rasa” se traduz em “mercúrio”, e Nāgārjuna Siddha teria proposto um método de conversão de mercúrio em ouro (Wujastyk, 1984).

Enquanto a alquimia europeia acabava se centrando na transmutação de metais básicos em nobres, a alquimia Indiana buscava a transmutação, mas se interessava mais em aspectos ligados a medicina.

Na alquimia chinesa a conexão mais óbvia era com a medicina. A pedra filosofal dos alquimistas europeus pode ser comparada ao Elixir da Longa-Vida, a busca pela imortalidade exercida pelos alquimistas chineses. Na visão hermética, esses dois objetivos não estavam desconectados, e a pedra filosofal era muitas vezes equiparada à panacéia universal. Assim, ambas as tradições podem ter tido mais em comum do que inicialmente parece.

A pólvora pode ter sido uma invenção importante dos alquimistas chineses e pode estar relacionada a aspectos medicinais. Da China, o uso de pólvora se espalhou para o Japão, os mongóis, o mundo muçulmano e a Europa. A pólvora foi usada pelos mongóis contra os húngaros em 1241 e na Europa até o século XIV. Além disto, a alquimia chinesa estava intimamente ligada às formas taoístas da medicina tradicional chinesa, como a acupuntura, a moxabustão (técnica terapêutica da Medicina Tradicional Chinesa que baseia-se nos mesmos princípios e conhecimentos dos meridianos de energia utilizados na acupuntura – sendo amplamente utilizada em outros sistemas de Medicina Oriental), e às artes marciais como Tai Chi Chuan.

Alquímia no Impéro Islâmico

Após a queda do Império Romano, o foco do desenvolvimento alquimista se mudou para o Império Islâmico. A alquimia islâmica é bem conhecida graças a prática de registro dos muçulmanos e comentários. A maioria dos escritos alquímicos anteriores ao Império Árabe só é conhecida em parte porque foram preservados como traduções árabes (Burckhardt, 1967). A própria palavra alquimia própria foi derivada da palavra árabe al-kīmiyā (a química). O Império Islâmico primitivo era um ambiente estimulador a alquimia, pois o pensamento platônico e aristotélico, que já havia sido apropriado um pouco na ciência hermética, continuou a ser assimilado no final do século VII e início do século VIII através de traduções sírias e práticas de estudos.

No final do século VIII, Jābir ibn Hayyān (conhecido como Geber) introduziu uma nova abordagem da alquimia, baseada em metodologia científica e experimentação controlada no laboratório. Suas práticas alquímicas eram bem diferenciadas a dos alquimistas gregos e egípcios antigos cujas obras eram muitas vezes alegóricas e não-inteligíveis – com pouca preocupação com o trabalho experimental (Kraus, 1943). Geber é considerado por muitos como o pai da química (Derewenda, 2007), pois começa a utilizar a experimentação científica no que era uma atividade voltada para aspectos místicos e esotéricos. Geber fagulha aspectos científicos em práticas que não eram científicas. No entanto, no Ocidente ainda se atribui o título de “pai da física” a Robert Boyle (1627-1691) ou Antoine Lavoisier (1743-1794).

Além de Geber, Al-Kindi (Alcindus) e Muhammad ibn Zakarīya Rāzi (chamado de Rasis) contribuíram muito com uma série de descobertas químicas, como o ácido muriático (ácido clorídrico), ácido sulfúrico e ácido nítrico. A descoberta da Aqua regia, uma mistura de ácidos nítrico e clorídrico, poderia dissolver o metal mais nobres – como o ouro – alimentaram a imaginação dos alquimistas para o próximo milênio.

Muitos filósofos islâmicos também fizeram grandes contribuições para o hermetismo alquímico – sendo Geber o mais influente no hermetismo. Um dos objetivos alquímicos era a criação artificial da vida no laboratório – inclusive a vida humana. Geber analisou cada elemento aristotélico em termos de quatro qualidades básicas: calor, frieza, secura e umidade (Burckhardt, 1967). De acordo com Geber, para cada metal, duas dessas qualidades eram interiores e duas exteriores. Por exemplo, o chumbo era externamente frio e seco, enquanto o ouro era quente e úmido. Assim, Geber propôs que ao reorganizar as qualidades de um metal, conseguiria sintetizar artificialmente um metal diferente (Burckhardt, 1967). Seguindo esta linha de pensamento, a busca da pedra filosofal foi introduzida na alquimia Ocidental. Geber desenvolveu uma numerologia em função das letras na raiz do nome de uma substância em árabe, quando tratadas com várias transformações, continham correspondências às propriedades físicas do elemento.

O sistema elementar usado na alquimia medieval também se originou com Geber. Consistia em sete elementos, onde cinco deles eram clássicos (éter, ar, terra, fogo e água), e mais dois que representavam os metais: o enxofre, “a pedra que queima” que caracterizou o princípio de combustibilidade, e mercúrio que continha o princípio idealizado das propriedades metálicas. Posteriormente o sistema mudou para oito elementos com o conceito árabe dos três princípios metálicos: o enxofre conferindo a inflamabilidade, o mercúrio com sua volatilidade e e o sal com sua solidez (Strathern, 2000). Nesta época, Geber também propôs o modelo atômico do corpuscularismo, onde todos os corpos físicos possuem uma camada interna e externa de pequenos corpúsculos (Moran, 2005).

Dos séculos IX a XIV, as teorias alquímicas enfrentaram críticas de uma variedade de químicos muçulmanos, incluindo Alcindus (Klein-Frank, 2001) Abū al-Rayhān al-Bīrūnī, (Marmura, 1965) Avicena (Briffault, 1938) e Ibn Khaldun. Em particular, eram refutações quanto a possibilidade de transmutar metais em outros elementos.

Europa Medieval

O início da alquimia Ocidental geralmente pode ser atribuído ao Egito antigo e helenístico, onde a cidade de Alexandria era um centro de conhecimento alquimista e manteve sua preeminência na maioria dos períodos gregos e romanos. Elementos de tecnologia, religião, mitologia e filosofia helenística foram combinados e formaram os primeiros registros conhecidos de alquimia no Ocidente. Zósimos de Panópolis (final do século III e início do IV) escreveu os livros conhecidos mais antigos sobre a alquimia, enquanto Maria, a Judia (por volta de 273 a.c) é creditada como sendo a primeira alquimista ocidental não fictícia.

Eles escreveram em grego, mas viveram no Egito sob o domínio romano. Zosimos de Panopolis afirmou que a alquimia remonta ao Egito faraônico, onde era o domínio da classe sacerdotal, embora não existisse nenhuma evidência de sua afirmação (Garfinkel, 1986). Os escritores alquímicos usaram panteões clássicos da mitologia grega, romana e egípcia (Isis, Osiris, Jason e muitos outros) para justificar suas obras e estruturar alegorias sobre a transmutação alquímica (Bonnefoy, 1992).

Hermes Trismegistus

A figura central na mitologia da alquimia egípcia é Hermes Trismegistus. Seu nome é derivado do deus Thoth. Hermes e seu caduceu (equipe) simbolizados com duas serpentes estavam entre os principais símbolos da alquimia. Segundo Clemente de Alexandria (150-215), ele escreveu o que se chamava “quarenta e dois livros de Hermes”, abrangendo todos os campos do conhecimento. O Hermetismo é entendido como a base para a filosofia e prática alquímica ocidental, a filosofia hermética – escritos coletados nos primeiros séculos da era comum.

 O alvorecer da alquimia Ocidental às vezes é associado com o da metalurgia, cerca de 3500 a.c (Linden, 1996), embora muitos escritos tenham sido perdidos quando o imperador Diocleciano ordenou a queima de livros alquímicos (Partington, 1989) depois de suprimir uma revolta em Alexandria (por volta do ano 292). Alguns documentos egípcios originais sobre alquimia sobreviveram, o mais notável entre eles o papiro Estocolmo e papiro X Leyden datados de 300-500 a.c. Eles continham receitas para tingir e fazer pedras artificiais, limpeza e fabricação de pérolas e fabricação de imitações de ouro e prata (Linden, 2003). Todos estes escritos não possuem os elementos filosóficos místicos da alquimia, mas contêm os trabalhos de Bolus de Mendes, que alinhavam essas receitas com o conhecimento teórico de astrologia. Entre o tempo de Bolus e Zosimos, ocorreu á mudança que levou fez a metalurgia desdobra-se e originar o hermetismo (Linden, 1996).

Alexandria era um ambiente propício ás práticas místicas como o pitagoreanismo (em referência a Pitagoras, que era envolvido em atividades esotéricas e proféticas), o platonismo, estoicismo e gnosticismo que ajudaram a dar origem a alquimia. Outro elemento importante na raiz da alquimia foi a influencia da filosofia grega, originada por Empédocles e desenvolvida por Aristóteles, era a tese de que todas as coisas no universo eram formadas a partir de somente quatro elementos: terra, ar, água e fogo. De acordo com Aristóteles, cada elemento tinha uma esfera à qual pertencia e a qual retornaria se fosse perturbada (Lindsay, 1970). Os quatro elementos do grego eram principalmente aspectos qualitativos da matéria – não quantitativos – como são nossos elementos modernos. A alquimia nunca considerou de fato a terra, fogo, água e ar como substâncias químicas ou corporais no sentido atual da palavra. Para os alquímicos, estes elementos são simplesmente as qualidades primárias e mais gerais por meio das quais o amorfo e a substância puramente quantitativa de todos os corpos revela-se de forma diferenciada (Burckhardt, 1967). Os alquimistas mais recentes desenvolveram extensivamente os aspectos místicos desse conceito.

A alquimia coexistiu com cristianismo emergente. Lactâncio (240-320) acreditava que Hermes Trismegisto havia profetizado seu nascimento. Santo Agostinho mais tarde afirmou isso nos séculos IV e V, mas também condenou Trismegisto pela idolatria (Fanning, 2009). Exemplos de alquimistas pagãos, cristãos e judeus podem ser encontrados durante todo este período. A maioria dos alquimistas greco-romanos que precedem os Zósimos é conhecida apenas por pseudônimos (Moisés, Isis, Cleópatra, Demócrito e Ostanes). Outros autores, como Komarios e Chymes, são conhecidos somente por fragmentos de texto. Após os anos 400, muitos escritores alquímicos se dedicaram a comentar trabalhos dos predecessores (Sherwood, 1951). Na metade do século VII, a alquimia era uma disciplina quase inteiramente mística (Debus, 2004). Nesta época Khalid Ibn Yazid (655-704) auxiliou a migração da alquimia de Alexandria para o Império Islâmico (como vimos acima), facilitando a tradução e preservação de textos alquímicos gregos nos séculos VIII e IX (Brown et al, 1999). Posteriormente, ela volta a Europa. Com o movimento cruzadista, na Baixa Idade Media, a alquimia entrou em contato com os europeus.

Alguns pesquisadores datam precisamente a introdução da alquimia para a Europa no dia 11 de fevereiro de 1144, com a conclusão da tradução de Robert de Chester do livro árabe “Book of the Composition of Alchemy”. Embora os artesãos e técnicos europeus tenham preexistido, Robert observa em seu prefácio que a alquimia era desconhecida na Europa Latina no momento da sua escrita. A tradução de textos árabes sobre inúmeras disciplinas, incluindo a alquimia, floresceu no Toledo (Espanha) do século XII, através de contribuidores como Gerard de Cremona (1114-1187) e Adelard de Bath (1080-1152) (Holmyard, 1957). As traduções da época incluíram o “Turba Philosophorum”, e as obras de Avicena (980-1037) e Al-Razi (854-925). Estes trouxeram muitas palavras novas ao vocabulário europeu para o qual não havia nenhum equivalente latino anterior. Álcool, carboy, elixir e athanor são exemplos (Holmyard, 1957).

Teólogos contemporâneos avançaram com suas traduções na tentativa de reconciliar a fé e o racionalismo experimental, após a Europa receber um fluxo de informação científica e alquímica proveniente do Impéro Islâmico. Santo Anselmo (1033-1109), do século XI, defendeu a opinião de que a fé e o racionalismo eram compatíveis e encorajavam o racionalismo em um contexto cristão. No início do século XII, Peter Abelard (1079-1142) seguiu o trabalho de Anselmo, estabelecendo toda a infra-estrutura conceitual para a aceitação do pensamento aristotélico antes que as primeiras obras de Aristóteles tivessem chegado ao Ocidente. No início do século XIII, Robert Grosseteste (1175-1253) usou os métodos de análise de Abelard e adicionou o uso de observação, experimentação e conclusões ao realizar suas pesquisas científicas e estabelecer alguns princípios básicos do método científico e experimentação. Grosseteste também fez muito trabalho para reconciliar o pensamento platônico e aristotélico (Hollister, 1990).

Durante os séculos XII e XIII, o conhecimento alquímico na Europa permaneceu centrado nas traduções e as novas contribuições latinas. Os esforços dos tradutores foram sucedidos pelos enciclopedistas. No século XIII, Albertus Magnus (1200-1280) e Roger Bacon (1214-1292) foram importantes para divulgar e explicar o conhecimento alquimico recentemente importado de concepções aristotélicas (Read, 1995). Albertus Magnus era um monge dominicano, conhecido por ter escrito obras como o “Livro dos Minerais” onde comentou sobre as ideias místicas-esotéricas alquímicas envolvendo Hermes, Demócrito e alquimistas menos conhecidos. Albertus comparou-os criticamente com os escritos de Aristóteles e Avicena, onde se referiam à transmutação de metais. Mais de 28 vias alquímicas para diversos objetivos foram atribuídas a ele, uma prática comum que lhe deu uma reputação de alquimista (Weisheipl, 1980). Da mesma forma, muitos textos alquímicos foram atribuídos ao seu aluno, Thomas de Aquino (1225-1274).

Roger Bacon, um monge franciscano que escreveu sobre uma gama enorme de temas (ótica, linguística comparada e medicina), compôs o seu “Opus Majus” (Grande Trabalho) para o Papa Clemente IV como parte de um projeto de reconstrução do currículo universitário medieval para incluir o novo aprendizado de seu tempo. Enquanto a alquimia não era mais importante para ele do que outras ciências, não produziu obras alegóricas sobre o assunto.

Bacon, considerou e a astrologia como parte importante da filosofia natural e da teologia, dando contribuições sobre as conexões da alquimia para a soteriologia teologia cristã (estudo de doutrinas religiosas da salvação). A contribuição de Bacon não era só alquimia, mas dissertações sobre moralidade, salvação e prolongamento da vida. Em correspondências com Clemente destacou isso, observando a importância da alquimia para o papado (Brehm, 1976). Como os gregos antes dele, Bacon reconheceu a divisão da alquimia em esferas práticas e teóricas. Ele observou que os aspectos teóricos estavam fora do alcance de Aristóteles, dos filósofos naturais e todos os escritores latinos de seu tempo. No quesito prático, no entanto, confirmou o experimento de pensamento teórico, e Bacon defendeu o uso da alquimia nas ciências naturais e na medicina (Holmyard, 1957).

Logo após Bacon, o influente trabalho de Pseudo-Geber (identificado como Paulo de Taranto) foi o representante europeu da alquimia devido sua obra “Summa Perfectionis”, um resumo básico da prática e teoria alquímica através dos períodos medieval e renascentista. Destaca-se pela inclusão de operações químicas práticas ao lado da teoria sulfuro-mercúrio (Holmyard, 1957). No final do século XIII, a alquimia havia se transformado em um sistema bastante estruturado de crença. Os adeptos acreditavam nas teorias de macrocosmos e microcosmos de Hermes, ou seja, acreditavam que os processos que afetam os minerais e outras substâncias poderiam ter um efeito no corpo humano (por exemplo, se alguém pudesse aprender o segredo da purificação do ouro, poderia usas a técnica para purificar a alma humana).

Os alquímicos passaram a acreditar que os quatro elementos e as quatro qualidades descritas acima tinham a capacidade de uma forte tradição de tapar suas idéias escritas em um labirinto de jargões codificados configurados com armadilhas para enganar os não-iniciados. Experimentaram ativamente produtos químicos, fizeram observações e especularam sobre o funcionamento do universo. Toda filosofia alquímica girava em torno de sua crença de que a alma do homem estava dividida dentro de si mesmo após a queda de Adão. Ao purificar as duas partes da alma do homem, o homem poderia se reunir com deus (Burckhardt, 1967).

No século XIV, a alquimia tornou-se mais acessível aos europeus fora dos confins dos clérigos e estudiosos de língua latina. O discurso alquímico passou do debate filosófico acadêmico para um comentário social exposto sobre os próprios alquimistas (Nummedal, 2007). Dante (1265-1321), Piers Plowman (por volta de 1370) e Chaucer (1343-1400) pintaram imagens de alquimistas infelizes. O Papa João XXII publicou em 1317 a Spondent quas non exhibent proibindo as falsas promessas de transmutação feitas por pseudo-alquimistas (Hines et al, 2010). Em 1403, Henry IV da Inglaterra proibiu a prática de multiplicação de metais (embora tenha sido possível comprar uma licença para tentar fazer ouro alquimicamente) (Geoghegan, 1957). Essas críticas e regulamentos centraram-se mais em torno do charlatanismo pseudo-alquímico do que o estudo real da alquimia, que continuou com um tom cada vez mais cristão. O século XIV viu as imagens cristãs da morte e ressurreição empregadas nos textos alquímicos de Petrus Bonus (1417-1497), Joan de Rupescissa (1310-1362), e em obras escritas em nome de Raymond Lull (1232-1316) e Arnold de Villanova (1235-1311) (DeVun, 2009).

Nicolas Flamel (1340-1418) foi um conhecido alquimista, mas um bom exemplo de pseudepigrafia, a prática de dar a suas obras o nome de outra pessoa, geralmente mais famosa. Embora o histórico Flamel existisse, os escritos e as lendas atribuídos a ele só apareceram em 1612 (Linden, 2003). Flamel não era um erudito religioso como muitos de seus predecessores, e todo o seu interesse no assunto girava em torno da busca da pedra filosofal. Suas obras descrevem muitos processos e reações, mas nunca dá a fórmula para a realização das transmutações. A maioria do seu trabalho visava reunir o conhecimento alquímico que existia antes dele, especialmente quanto à pedra filosofal (Burckhardt, 1967). Nos séculos XIV e XV, os alquimistas eram muito parecidos com Flamel: concentraram-se em procurar a pedra filosofia. Bernard Trevisan (1406-1490) e George Ripley (1415-1490) fizeram contribuições similares. Suas alusões e simbolismos crípticos levaram a grandes variações na interpretação da arte.

Conclusão

Tendo seu auge entre os séculos XIV e XVI, a alquimia teve suas origens no Egito Antigo. Na cidade de Alexandria, centro de conhecimento erigido pelo imperador Alexandre, reuniam-se escritos de uma antiga técnica egípcia chamada kyniâ. Essa técnica egípcia envolvia o domínio dos processos químicos de embalsamamento e a manipulação de metais. Entrando em contato com a sabedoria grega, a kymiâ passou a considerar que toda matéria era constituída por quatro elementos básicos: terra, ar, água e fogo (Historia do Mundo).

Mesmo a alquimia sendo uma pseudociência, era bastante diversificada durante sua ocorrendia na Europa ou mesmo na Ásia. As práticas alquímicas foram importantes no desenvolvimento de muitos elementos importantes na ciência – em especial na física e na química. Vale destacar que não havia uma distinção entre ciência religião, misticismo, esoterismo e filosofia. O que atualmente discutimos em filosofia (em especial a filosofia da ciência) é que espistemologicamente não havia um critério de separação entre ciência e não-ciência.

Assim, Geber e tantos outros árabes fizeram alquimia pensando nas questões místicas, esotéricas, religiosas abrindo discussões filosóficas e propondo experimentos que pudessem transmutar elementos. Mesmo na Europa onde o uso da alquímica foi muitas vezes feito como tentativa não só mística e esotérica, mas como forma de tentar entender o modo como deus havia criado o cosmo não tinha uma separação da ciência e da filosofia. Por esta razão, Giordano Bruno ao se envolver com o hermetismo e cabala acabou sendo queimado vivo pela igreja Católico, uma vez que por ser clérigo estava sob a tutela do Tribunal do Santo Oficio.

Na Europa não havia o critério hoje de separação entre o que é científico e o que é religioso. A imensa maioria dos pensadores, de grandes nomes da filosofia da ciência, cientistas e livres pensadores (mesmo aqueles iluministas que questionaram a religião e lutaram por uma educação secularizada) faziam ciência a partir de motivações claramente religiosas.

A alquimia se torna uma pseudociência porque mistura misticismo e esoterismo (elementos não experimentáveis) com aspectos ligados a matéria. Historicamente, o ponto que marca o fim da alquimia e início da química foi dado por um alquímico, Robert Boyle, ao escrever “The Skeptical Chymist” (1661) criticando os 4 elementos de Aristóteles, marcando a origem da química como algo ciência, sustentado a partir da experimentação.

Quando a alquimia passou a ser condenada como uma atividade prática de bruxaria, a intolerância religiosa pautou esta repulsa. A ignorância da época em não saber que não seria possível transmutar elementos custou muitas vidas. Genuinamente, a alquimia tem duas formas básicas: primeira, a exploração a respeito da transformação de matéria como vimos aqui, porém, ao recorrer a aspectos esotéricos e místicos era considerada – em algumas práticas – como magia (magicka) e, portanto, considerado bruxaria. A magia era um dos campos de atuação da Inquisição; o culto a superstição, sortilégio, alquimia eram considerados em certas situações como culto e pactos com o demônio. A legislação católica reprimia-os punindo de modo moderado pelo tribunal eclesiástico, e posteriormente com a morte pela justiça leiga.

Mesmo com a instauração da química a partir do suporte empírico muitas teses suportadas como fatos conduziram a conclusões erradas, como é o caso do ar flogisticado.

Na Ásia em geral e na Índia, muitas práticas analogamente alquímicas ainda persistem por diversos motivos. Obviamente que não o fazem buscando a pedra filosofal ou a transmutação de elementos, mas na tradição Oriental há certa dificuldade de separar filosofia de religião. No entanto, há um grande interesse por práticas de meditação, medicinais, (como é o caso da acupuntura – embora esta seja considerada uma pseudociência) alguns preparados medicinais tradicionais milenares são mantidos. Na filosofia Ocidental há uma clara separação entre filosofia e religião, na Oriental não – vide o caso do budismo. Então, apesar da prática alquímica ão existir mais, esta tradição do uso de soluções e preparados milenares pode ter sido influenciada por questões alquímicas antigas.

Curiosamente os objetivos da alquimia continuam preservados na ciência atual. Sabemos que a única forma na qual um elemento da tabela periódica pode transformar-se em outro é a partir da fusão ou fissão nuclear. Alternando a quantidade de prótons do núcleo dos elementos conseguimos “transmuta-lo” para outro. A biologia busca estudar mecanismos moleculares e genéticos que permitam não só aumentar a expectativa de vida do ser humano, mas também busca a criação de vida artificial e até mesmo da consciência.

Isto não significa que a ciência cumpre um papel místico-esotérico, mas que os objetivos buscados na alquímica parecem transcendê-la e ser algo desejado pelo homem. A prática alquímica foi então, uma forma de tentar alcançar estes desejos ou curiosidades. O elemento mobilizador da busca pelo conhecimeto continua, a ciência é utilizada como critério e como prática, e não mais os elementos místicos e religiosos para uma vida longa, uma vida artificial ou transmutar os elementos.

Victor Rossetti

Palavras chave: NetNature, Rossetti, Alquimia, Ìndia, China, Império Islâmico, Europa Medieval.

 

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