BIOLOGIA E ECOLOGIA DE BORBOLETAS NO BRASIL.

O Brasil é um dos países com o maior número de borboletas do mundo. São 3.268 espécies descritas, só perde para a Colômbia com 3.900 espécies e o Peru com 4 mil. Infelizmente esse número ainda é bastante incerto, e é bem provável que a diversidade possa chegar a 20 mil somente no Brasil, com a divulgação de novos inventários. Pouco sabemos a respeito da diversidade de borboletas de biomas como a Caatinga, Pampas e Amazônia.

Mapa de áreas prioritárias para produção de inventários de borboletas no brasil. Áreas
em tons de verde possuem maior conhecimento da fauna de borboletas, enquanto áreas em tons
de laranja e vermelho, menor. Áreas mais escuras indicam as maiores lacunas de conhecimento
[modificado de Santos et al., (2008)].

No Brasil há 1165 espécies de borboletas da família hesperiidae, 420 Lycaenidae, 761 Riodinidae, 788 Nymphalidae, 65 Pieridae e 69 Papilionidae. Seus hábitos e especificidades são bastante variados e pouco compreendidos ainda. Por exemplo, algumas borboletas do gênero Heliconius se alimentam de néctar e também de pólen. Apesar de muito próximas evolutivamente apresentam comportamentos muito variados. A maioria dos Heliconius da Amazônia voa rapidamente, mas a borboleta Heliconius ricini que também ocorre na bacia Amazônica voa mais lentamente. Muitos indivíduos desenvolveram hábitos gregários durante a noite, outras vivem solitariamente. O mais interessante é que em algumas espécies os machos se sentam próximo a pupas de fêmeas um dia antes delas emergirem do casulo. Em algumas outras espécies, como a Heliconius hecalesia os machos nem mesmo esperaram até que a fêmea nascer. Eles quebram a pupa para acessar a genitália e copulam a fêmea pouco antes dela emergir.

Muitas espécies se beneficiam de metabólicos produzidos por plantas para afastar herbívoros. Plantas sintetizam produtos químicos que deixam um gosto desagradável aos herbívoros, isso causa repulsa. Essa é uma estratégia evolutiva desenvolvida para evitar a predação. Lepidópteros que se alimentam em estágios larvais destas plantas pegaram carona nessa estratégia e tornam-se impalatáveis. A borboleta Heliconius numata é uma espécie nativa da América do Sul e conhecida por sua imitação de borboletas Melinaea. Tanto H. Numata quanto Melinaea são intragáveis para os predadores, um caso de mimetismo mülleriano. (veja mais em TIPOS DE MIMETISMO E OS PRECIOSOS EXEMPLOS DA NATUREZA)

Destruir essas plantas é destruir um patrimônio genético e bioquímico desconhecido. Há mais de 60 se sabe que plantas produzem peptídeos que atuam como inibidores de proteinases de insetos. Essas proteínas estão amplamente distribuídas no reino vegetal e fazem parte de um mecanismo de defesa das plantas contra o ataque de agentes pategênicos e pragas. De acordo com sua especificidade, as proteinases podem ser divididas em quatro classes; serino-proteináses, cisteíno-proteináses, metalo-proteináses e aspartil-proteinases. Os inibidores de proteinases mais comuns e consequentemente estudados cientificamente são aqueles as serino-proteinases, formado por tripsinas e quimotripsinas. São enzimas encontradas especificamente em insetos da ordem lepidóptera. A ingestão desses inibidores por insetos interfere no processo de degradação de proteínas no intestino médio. Os inibidores são considerados agentes anti metabólicos uma vez que levam a uma deficiência proteica no animal. A atividade antibiótica desses inibidores é atribuída à sua interferência na digestão proteica que diminui a disponibilidade de aminoácidos e consequentemente , a síntese de proteínas necessárias ao crescimento, desenvolvimento e reprodução.

Experimentos in vitro baseados na combinação de extratos intestinais com diferentes inibidores mostraram que os inibidores de proteases foram efetivos na inibição das proteinases digestivas. Então a incorporação de inibidores em dietas artificiais mostrou-se eficiente em vários estudos de adaptação evolutiva. As evidências de adaptação dos insetos à presença de inibidores de proteinases foram verificadas em um estudo envolvendo um outro inseto polífago, a lagarta do cartucho do milho, Spodoptera frugiperda.

A Mata Atlântica e seus ecossistemas associados cobriam originalmente uma área de aproximadamente 1,3 milhões de km². Devido a constante destruição do bioma, visto sempre como recurso a ser explorado, hoje restam apenas cerca de 9% de seu território original. Muitas dessas áreas ainda não são protegidas legalmente e estão extremamente fragmentadas, sem qualquer tipo de conexão. Isso tem acelerado ainda mais o processo de redução de populações e perda de espécies, fazendo deste o bioma com maior concentração de espécies ameaçadas de todo país. Na Mata atlântica estão cerca de 2/3 da diversidade de borboletas do país, por exemplo.

Mas não é só a Mata Atlântica que passa por esse problema. Por exemplo, na Amazônia, especificamente onde ocorre o arco de desmatamento, não há quase nenhuma área legalmente protegida e apenas 23% de sua cobertura florestal esta intacta. Um estudo mostra que 67% dessa área já foi desmatada e que grande parte das espécies ameaçadas de extinção que constam da Lista Vermelha do Pará ocorrem na região. Não só de artrópodes, mas de primatas, anfíbios, aves e felinos. De fato, A Portaria conjunta n° 316, de 9 de setembro de 2009 estabeleceu que as listas nacionais de espécies ameaçadas e os livros vermelhos devem juntos constituir instrumentos, estratégias e planos de ação na Política Nacional da Biodiversidade (Decreto 4.339/02).

O grupo dos lepidópteros sofre muito coma fragmentação de habitats, e são excelentes indicadores de qualidade do bioma. Isso ocorre porque cada espécie de borboleta tem uma planta especifica na qual põem seus ovos. Se a espécie desaparece significa que sua planta hospedeira foi destruída pelo desmatamento e consequentemente a espécie corre risco de extinção. Regiões como o semi-árido e Cerrado são pouco conhecidas. O semi-árido conta com somente um inventário muito antigo e desatualizado a respeito da diversidade de borboletas. A maioria das principais cidades do semi-árido encontra-se

em áreas de brejo e boa parte da vegetação original foi transformada ao longo dos anos após a colonização do país, especialmente depois da colonização holandesa. (veja mais aqui). Acredita-se que cerca de 86% desta vegetação tenha sido retirada e os 14% restantes não se sabe ao certo o quanto é composto por Mata Atlântica ou outras formações fitofisionômicas.

Efeitos de borda também são problemas ambientais graves. Um fragmento de mata de 1km quadrado tem um efeito de borda distinto de uma área mais ou menos fragmentada. Por exemplo, essa área de 1 quilometro quadrado sofre um efeito de borda que pode chegar a 36 ha. Isso quer dizer que ventos, diferença de umidade, temperatura e insolação vão entrar na mata por pelo menos 36ha a partir da borda. Somente 64ha, ou o centro do fragmento será de fato uma área integra, original. Se um fragmento com o mesmo 1km quadrado for dividido em 4 quadrados iguais o efeito de borda será bem mais intenso. Primeiro, ocorrerá á desconexão entre os fragmentos, e o fluxo gênico poderá ser interrompido. Segundo, os efeitos se acumulam já que as bordas dos quatro fragmentos serão sempre de 36ha. Portanto, haverá 4 fragmentos menores, e onde eles se tocam o efeito de borda será dobrado, pelo efeito de borda adjacente, e cada um deles terá apenas 8,7ha preservado que se somados corresponderão a 34,8ha, diferente dos 64ha de uma área de mesmo tamanho porem menos fragmentada.

Essa situação é comum diante de um efeito de borda razoável, mas em alguns biomas mais quentes ou com ventos o efeito de borda por ser muito mais do que 36ha e chegar até 500 metros. Essa é uma área que certamente será afetada e muitas espécies que precisam de condições específicas de temperatura e umidade podem entrar em extinção, como o caso dos lepidópteros. Por exemplo, na Serra do cipó (que recentemente sofreu com uma das maiores queimadas da historia) detém uma microrquidea endêmica que depende de condições ecológicas específicas para sobreviver.

No grupo das borboletas, sabe-se que a distribuição de espécies dentro de uma determinada área geográfica é irregular em diferentes graus devido às características físicas, abundância de recursos e inimigos naturais. Espécies que usam diferentes recursos podem atingir altas densidades, conquistando diversos locais. Aquelas espécies espécies que utilizam recursos restritos não são abundantes, restringindo sua distribuição a locais específicos de uma área geográfica.

Das 57 espécies de lepidópteros ameaçados de extinção no Brasil 52 delas são da Mata Atlântica. Essa estimativa é muito pobre porque pouco se sabe sobre a diversidade dessas animais na Caatinga, Amazônia e no Cerrado que contam com pouco endemismo (cerca de 12%) e outras espécies que ocorrem em mais de um bioma. Existem espécies de borboletas que não se encontra registro desde a década de 60. Não se sabe se esta extinta ou se sua ocorrência é muito baixa. Quando somamos isso ao fato de que para muitas espécies ainda existe pouca ou nenhuma informação sobre aspectos tão gerais como ciclo de vida, plantas hospedeiras, morfologia, sistemática, ecologia química, comportamento, ecologia de populações e uso do habitat, fica evidente o quanto é fundamental estabelecer novos planos de conservação. O Brasil cumpre com metas internacionais protegendo pelo menos 10% de suas áreas naturais. Entretanto o território brasileiro é muito extenso e detém um acervo biológico tão diverso que a preservação legal de pouco mais de 10% ainda é pouco e oferece pouca estabilidade a populações de diversos grupos animais e vegetais.

Scritto da Rossetti

Palavra chave: NetNature, Rossetti, Lepidóptera, Brasil, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Amazônia, Pampas, Efeito de Borda, Extinção.

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Referências.

* Marcio Castro Silva-Filho; Maria Cristina Falco. Interação planta-inseto. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
* Richard B. Primack; Efraim Rodrigues. Biologia da Conservação. Editora Planta. 2001.
* André Victor Lucci Freitas, Onildo João Marini-Filho. Plano de Ação Nacional para Conservação dos Lepidópteros Ameaçados de Extinção. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Icmbio, 2011.
* Marcio Uehara-Prado, André Victor Lucci Freitas, Ronaldo Bastos Francini, Keith Spalding Brown Jr. Guia das borboletas frugívoras da reserva estadual do morro grande e região de Caucaia do alto, Cotia (São Paulo). Uehara-Prado, M. (et al.) – Biota Neotropica, v4 (n1)

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