DESIGN INTELIGENTE POSTA TEXTO EM REVISTA PREDATÓRIA.

Publicação de texto sobre baraminologia e conceitos pseudocientíficos em uma revista predatória complica grupo religioso do Design Inteligente. 

Texto em revista predatória

O movimento religioso fundamentalista do Design inteligente vem tentando se fixar no Brasil recorrendo a influências do Discovery Institute nos EUA: grupo criacionista americano que defende a ideia de que Deus é um projetista do universo e da vida.

O movimento conta com membros que organizam comunidade em redes sociais visando erguer a ideia do Design inteligente como uma “concorrente” da teoria da evolução e tem tentado empregar o termo “teoria” na concepção do divino. Tem sido comum movimentos anti-ciência e pseudocientíficos abordar as pessoas em redes sociais, como acontece com os terraplanistas e ufólogos. Recentemente um grupo terraplanista realizou um hangout onde um integrante assumiu que o criador da terraplana era o Design Inteligente.

O represente do Design inteligente no Brasil é o professor de química Marcos Eberlin da Unicamp: um dos poucos membros que possuem formação acadêmica. A maioria dos integrantes do grupo sequer tem formação em biologia. Pois é justamente este o problema de formação que aperta o cerco contra os criacionistas na publicação abaixo. Três membros do grupo publicaram um texto de cunho religioso em uma revista predatória; o caso gerou uma série de conflitos sobre a questão da autoria – escreveram o texto e inseriram o nome da pessoa como autora sem seu consentimento (o que pode configurar crime)- outro não tem formação na área e seu caso esta sendo averiguado, pois afirmou estar matriculado em uma Universidade Federal. Os problemas com os proponentes do design inteligente já começam na questão das autorias, se estendem para as referências e questões metodológicas como veremos mais adiante.

O suposto “artigo” tenta incentivar a adoção de uma série de pressupostos religiosos e utiliza referências religiosas e científicas: estas últimas distorcidas e relatividades de acordo com a cosmovisão religiosa dos autores. Vários dos conceitos citados foram criticados por cientistas ou mesmo em sites de divulgação de ciência. Aqui no NetNature já destacamos o caráter pseudoconceitual de termos como “baraminologia” e “entropia genética“.

Por ser um conteúdo religião que carece de evidências científicas e claramente é uma leitura de devoção religiosa não seguindo um critério metodológico crítico (por isto foi publicado em uma revista predatória) e portanto, não precisa ter compromisso com os fatos, apenas sustentar crenças.

Aqui, selecionei somente alguns trechos que claramente representam os pilares do conteúdo pseudocientífico do texto e que são críticos a tal ponto de desconstruir o objetivo do artigo, retirando a noção de ciência que pretendia-se dar a um conteúdo teológico claramente travestido.

O artigo

O artigo traz uma série de conceitos informais que um dos autores já disseminava nas redes sociais, e portanto, nada de novo foi apresentado. Um dos pontos foi a seguinte citação:

“Recent evolutionary study corroborates this statement by saying that: “the dominant vision of evolution based on the fossil record is that the established species remain more or less unchanged during existence. On the other hand, the substantial evolution is routinely reported in contemporary populations, and most of the quantitative traits shows a high potential of development. These contrasting observations in long and short time scales are often referred to as the paradox of stasis based on the fundamental assumption that the periods of morphological stasis in the fossil record represent a minimum evolutionary change” (Voje, 2016)”.

Darwin já havia observado que as espécies do registro fóssil geralmente aparecem morfologicamente constantes em prazos muito longos; apresentando um de “estase”. Esta observação tem é discutida na hipótese do “equilíbrio pontuado” de Gould e Eldredge, mas, independentemente do que se pensa sobre as especificidades dessa hipótese, o padrão permanece no registro fóssil, exigindo explicação.

Se fossemos capaz de assistir as espécies na natureza mudar rapidamente, em resposta a mudanças ambientais, por que essa mudança rápida não se somou a mudanças visíveis no registro fóssil?

A explicação está na presença da seleção estabilizadora em longos períodos de tempo; essa seleção estabilizadora manteria uma espécie próxima do seu “pico de aptidão” otimizado.

a diversidade genética diminui quando a população estabiliza num valor de determinada característica em particular. Um exemplo, antigamente a taxa de mortalidade infantil no parto era grande. Agora, além dos avanços médicos e tecnológicos de nossa sociedade podemos observar uma estabilidade no tamanho dos bebés recém-nascidos.

Em um ambiente constante, a troca de genes entre os indivíduos irá aumentar a variância da população a cada geração, e a seleção estabilizadora a reduz para um valor próximo da geração anterior, assim, os valores médios da população não se modificam.

As pesquisas envolvidas com o efeito das mudanças climáticas têm mostrado como estas alterações têm influenciado sobre o comportamento e a diversidade dos organismos. Por exemplo, fortes tempestades de inverno provocam a mortalidade do pardal doméstico, e isso resultava na seleção estabilizadora em fêmeas e seleção direcional em machos que tinham o tamanho do corpo maior (Silva, 2009)

Na seleção estabilizadora os valores fenotípicos extremos apresentam baixa aptidão, enquanto os valores fenotípicos intermediários, próximos de algum valor ótimo, possuem maior aptidão esperada. Mas às vezes a seleção não é uma função constante como essa e depende dos fenótipos de todos os outros indivíduos da população. Isso é chamado de seleção dependente da freqüência. Então, a seleção dependente da freqüência pode ser gerada por muitas interações ecológicas: competição, predação, parasitismo, seleção sexual e heterogeneidade ambiental.

A seleção estabilizadora fornece uma solução plausível para o paradoxo. Um dado interessante é que este tipo de seleção tende a “apagar” seus traços uma vez que as populações se adaptaram a um pico de aptidão.

Há artigos que tratam deste paradoxo, veja-os aqui e aqui. Portanto, a teoria da evolução conta de explicar o que observamos no registro fóssil. De fato, graças ao pensamento criacionista na época de Darwin grande parte das explicações evolutivas foram estruturadas pelo naturalista (Veja COMO O CRIACIONISMO ESTRUTUROU AS MAIORES EVIDÊNCIAS DA EVOLUÇÃO)

“Today, surprisingly, we have nearly the same number of bodily patterns among the nearly 2 million living species already cataloged (9 the estimated 100 million) and the tiny fossils of Cambrian species 300,000/edicara to pleistosceno. (Woodmorappe, 2000; Sadava et al., 2009; Mora et al., 2011; Catalogue of Life, 2016). When compared the morphological patterns, would be expected to have a far greater number of PMTG on the fossil record if this mirrored a sample of biodiversity in the Phanerozoic 544 million years ago. Therefore, the fact that the number of current species, in the millions, cannot overcome the number of bodily patterns present in the fossil record suggests evolution bounded on the morphological standards or basic types ancestors (baraminology) or PMTG“.

Devemos lembrar que os padrões estabelecidos no Cambriano se fixaram por trazem vantagens na luta pela sobrevivência. De fato, toda evolução subsequente da vida e proporcionada a partir de ligeiras alterações em um plano básico corporal. No caso da fauna Cambriana, um exemplo é o que ocorre no caso dos artrópodes que serão estruturados a partir de um ancestral comum, certamente determinado pela Aysheaia. Este organismo, segmentado é ancestral de todos os artrópodes e é datado em quase 600 milhões de anos. Não faz sentido algum citar a ideia de Baraminologia que parte do pressuposto bíblico de que a Terra tem 6 mil anos como o artigo pressupõe.

Vejamos um exemplo prático da falibilidade do argumento acima. A Aysheaia tinha corpo mole, segmentações simples e claramente está relacionada ao grupo dos artrópodes. Os segmentos dos artrópodes são determinados por um conjunto de cerca de 10 genes Hox. O pesquisador Sean B. Carroll (2006) estabeleceu uma simples análise comparativa dos genes hox que fazem parte da construção dos segmentos de artrópodes.

Como já se sabia insetos e crustáceos são relacionados e ambos os grupos tem os mesmos 10 genes Hox e compartilham um ancestral comum, por volta do Cambriano. Entretanto crustáceos e insetos formam um grupo irmão dos miriápodes que também apresentaram o mesmo número de genes Hox. Isso indica que todos estes grupos tem o mesmo ancestral comum uma vez que apresentam o mesmo número de genes Hox e que são filogeneticamente correspondentes. Desta forma, insetos, crustáceos e miriápodes além de serem próximos entre si formam um grupo irmão aos quelicerados e dos extintos trilobitas.

Infelizmente não é possível fazer uma análise do genoma dos trilobitas, mas é possível descobrir quantos genes Hox ele tinha, pois seu grupo é formado também pelos quelicerados e ao serem estudados mostraram-se contendo os mesmos 10 genes Hox. Portanto se trilobitas e quelicerados tem um ancestral comum com insetos, miriapodos e crustáceos, e obviamente trilobitas tem também 10 genes Hox. Assim, trilobitas, quelicerados, miriápodes, crustáceos e insetos formam um unido grupo, os artrópodes que tem um ancestral único, comum a todos e que tem 10 genes Hox.

Dada a simplicidade anatômica das Aysheaia, os pesquisadores buscaram então qual seria o animal mais antigo que os artrópodes e que serviria como intermediário entre as Aysheaia e os artrópodes modernos. A resposta é clara e obviamente conhecida há muito tempo, os onycophora. Os onicóforos formam um dos grupos mais primitivos e antigos do que os artrópodes e poderiam servir como grupo irmão para uma análise comparativa que poderia conectar os dois grupos a Aysheaia. Paul Whrington e a equipe de Sean B Carroll analisaram o genoma de um onicóforo muito primitivo que existe na Austrália (Akanthokera kaputensis). O resultado foi exatamente previsto. Tanto onicóforos que são claramente relacionados a Aysheaia quanto aos artrópodes modernos contém também os mesmos 10 genes Hox. Portanto é mais do que evidente que essa característica descenda das Aysheaia, que apesar de ser datada em mais de 540 anos já tinha genes Hox de seus ancestrais mais de 50 milhões de anos antes do Cambriano chegar. A diversidade Cambriana é bastante estudada e bem compreendida, inclusive considerando diversos aspectos ligados ao clima (concentrações de O2 e CO2) e as condições oceânicas para a fossilização.

– Subtipos de especiação rápida.

We understand speciation in real time as a phenomenon in which two or more populations of the same species change in new arrangements of pre-existing genetic information, having caused the separation by geographical barriers and mortandades, but in a timely manner so that it can observe the entire process from start to finish. We can classify the speciation process in two ways: real-time or historical-archaeological time. Speciation in real time is that of biomodifications limited to basic type, equivalent to rise quickly to a new “species”, observed ̶for experimentation or observation non -controlled ̶in 50 years. Speciation in historical time concerns the bio-modifications equivalent to a new “species” over 50 years which may or may not be observed due to the lifetime of the observer or research project. In these cases, there are 50% of chance of note and the other 50% depend on the use of the deduction, for example, from chromosomal analysis and calculations of radiation rates (Trivedi, 2000)”.

Os autores apresentam uma definição desvirtuada do que é especiação. Especiação é o processo evolutivo pelo qual as populações biológicas evoluem para se tornarem espécies distintas. O biólogo Orator F. Cook cunhou o termo “especiação” em 1906 e 1908 para a divisão de linhagens em “cladogênese”, em oposição à definição de “anagênese” ou “evolução filética” dentro das linhagens.

De fato é observado em laboratório, como assume os autores, e por isto valida a teoria da evolução. Estudos macroevolutivos têm como foco as mudanças que ocorrem no nível de espécie ou acima delas, em contraste com a microevolução, que tem como objeto de estudo mudanças evolutivas em menor escala, que ocorrem dentro de uma espécie ou população, e podem ser descritas como mudanças nas frequências alélicas. Essa foi a definição que o geneticista Theodosius Dobzhansky deu a origem de novas espécies no ano de 1937.

 Os mecanismos pelos quais isto ocorre é a especiação, que é um fenômeno populacional, que geralmente ocorre ao longo de variações de frequências alélicas, em uma dada população, em um dado espaço geográfico, sujeito a pressões seletivas. Mecanismos evolutivos estão presentes e atuantes neste local; a seleção natural, seleção sexual, deriva genética, mutualismo, comensalismo, relações especificas, a dinâmica da teia alimentar, processos co-evolutivos se estabelecem em especificidade inter-espécies. Como a especiação é um processo que envolve uma população, envolve também gerações, e é nessa miríade que espécies novas surgem, pelo acumulo de pequenas variações e promovem o isolamento reprodutivo. Essa nova espécie agora carrega um conjunto fenotípico determinado pelos genes que a partir deste momento seguira um caminho evolutivo independente (Futuyama, 2009).

Não há artigos científicos que demonstram que as variações ocorrem somente no nível da espécie e que não ultrapassem tal limite de tal forma a permitir que uma nova espécie surja. De fato, há muitas razões para acreditar que as variações possam permitir que novas espécies surjam como constatado pelos cientistas e assumido pelo próprio texto criacionista. Os estudos anatômicos, morfológicos, embriológicos, paleontológicos, etológicos, genéticos e moleculares sustentam esta ideia. O que os criacionistas fazem é tentar subverter a concepção de evolução das espécies a uma constatação que esteja de acordo com a crença. Por esta razão não é científico, porque tenta adequar fatos científicos a uma verdade pré-concebida.

“Furthermore, due to genetic drift and inability to distinguish between good and bad genes, natural selection fails and this results in a loss of genetic variation, leaving the species genetically poor and “increasingly close to extinction”. In other words, cuts off drift and impoverishes the population of “gene pool” and natural selection fix more or less what was left. It is known that the effect of the drift is greater when it is less than the size of the population and may appear at different times in the history of mankind. In this sense, it is possible that the drift has a key role in overwhelming the natural selection with regard to the rapid speciation process after a major disaster. The speciation process after disasters major disasters around the world are the forming of most sedimentary layers present in the globe, which are associated with massive flooding and destruction across the globe (Souza, 2008)”

A deriva genética é uma mudança na frequência dos alelos que ocorre, diferentemente da seleção natural, de maneira aleatória. Esse mecanismo, é importante principalmente em pequenas populações, pode ser definido como uma mudança das frequências alélicas limitando, desde a forma, a variabilidade genética de um determinado grupo, restrito aos indivíduos prevalecentes. Nesta situação, portando uma baixa variabilidade, os indivíduos diferenciados irão passar por uma pressão de seleção mais significativa em relação à linhagem ascendente, que minimizava os feitos da seleção em razão do elevado número de indivíduos viventes.

Um efeito fundador ocorre quando uma nova colônia é iniciada por alguns poucos membros da população original. Nessa população de tamanho pequeno significa que há variação genética reduzida a da população original e uma amostra não aleatória dos genes na população original.

O conceito de deriva genética pode ser encontrado em sites de Universidades do mundo todo, como a do Instituto Biológico na USP, mas a referência utilizada pelo autor é Souza, um autor criacionista: Souza Jr NN (2008). Uma breve história da terra. Brasília, DF: Sociedade Criacionista Brasileira. Por esta razão, tenta adequar á deriva genética a uma condição bíblica citando “…que estão associados a enormes inundações e destruição em todo o mundo (Souza, 2008)”.

– O processo de especiação após desastres

“The short history of ASCR model formation of sedimentary layers foresees a time when the few surviving humans and animals isolated by such disasters associated with (energy and global magnitude) would have restarted to repopulate the Earth and subsequent irregularities and stress inbred crosses would occur, exactly as realized in Denisovans species (Prüfer et al., 2013)”

O primeiro ponto a destacar é que termo ASCR é utilizado no texto se refere ao “model study basic ancestors” ou modelo de ancestrais básicos é outro nome para arquetipos ou baramins, que é a leitura literal da Bíblia. De fato, a sigla não corresponde ao termo, que muitas vezes recebe outras denominações, porém, sempre direcionadas a condição baraminológica.

O artigo prepara todo um terreno para introduzir uma falsa validade da baraminologia: termo que emprega uma terminologia e metodologia não totalmente desconhecida pelos principais sistematas. O termo “baraminologia” vem de baramin, que foi construído a partir de palavras de raíz hebraica bara (criado) e min (tipo). Não é um conceito mencionado diretamente na bíblia, portanto, é uma construção fictícia para justificar um conjunto de falsas premissas criadas a partir de um relato teológico. A proposta foi inventada pelo criacionista Frank L. Marsh em 1941. O termo tem sido referido como uma “sistemática da descontinuidade”, pois não aceita a relação filogenética da totalidade da vida; e só aceita evolução se for rápida, a partir de ramos independentes da vida, sob um tempo geológico inferior a 6 mil anos. Darwin esboçou em “Origem das espécies” (1859) a diferença entre a sua teoria (que vê os seres vivos relacionados historicamente em forma de árvore filogenética) e a condição de arquétipos bíblicos (ramos da vida criados separados intencionalmente por Deus, que atualmente são chamados de baramins).

A porção superior do esquema mostra supostos ramos independentes. A porção abaixo mostra como Darwin relacionou evolutivamente as espécies em uma única arvore da vida.

A ideia de repovoamento pregada pelos criacionistas parte de um casal de cada espécie, como citado na Bíblia dentro do conto de Noé. Entretanto, uma espécie representada somente por um casal está claramente fadada a extinção devido a baixa variabilidade genética. O mesmo elemento – deriva genética – que promove uma “quebra” na variabilidade genética associada a desastres é o mecanismo que inviabiliza a manutenção da espécie a partir de um casal. De fato, como já foi destacado anteriormente em um texto do NetNature, não seria possível que apenas dois indivíduos repovoassem a Terra: por questões claramente básicas da genética.

O texto fornece toda a estrutura conceitual que anula suas premissas mais básicas do que prega religiosamente.

E claro, os Denisovanos não tem absolutamente nada a ver com a condição bíblica pressuposta pelos autores. Pelo contrário, em março de 2010, quando os pesquisadores anunciaram a descoberta do fragmento de osso do dedo correspondente aos Denisovanos, foram datados em 41 mil anos atrás, na caverna Denisova nas montanhas da Altai na Sibéria. Uma caverna que também foi habitada por Neandertais e humanos modernos (Krause et al, 2010). A data é extremamente superior ao tempo bíblico pressuposto pelos criacionistas. Para complicar ainda mais, a análise indicou que os humanos modernos, os Neandertais e o hominínio de Denisova finalmente compartilharam um ancestral comum datado em cerca de 1 milhão de anos (Katsnelson, 2010). Estes elementos dissonantes que não se alinham ao tempo bíblico são ignorados e escondidos pelos criacionistas.

“In this context, the speciation in real time legitimizes the model of an “evolutionary jump” with two peaks biodiferenciadores related to episodes from the beginning of human genetic entropy (Fu et al., 2013)”

Aqui os atores fazem uso de dois termos tendenciosos: salto evolutivo e entropia genética. Trataremos deste último mais abaixo.

Os autores não explicam o que querem dizer com “salto evolutivo“, podendo abranger ambiguidades. Poderia ser interpretado como uma posição saltacionista, que não tem absolutamente qualquer relação com a teoria da evolução; ou poderia ser erroneamente visto como sinônimo de equilíbrio pontuado, representando uma substituição faunística promovida por um processo de especiação mais rápida. Mesmo o equilíbrio pontuado não envolve saltacionismo, em que em um espaço de tempo de uma geração, novos grupos biológicos surgem extremamente diferenciados de sua geração anterior.

O autor do texto quer usar conceitos como equilíbrio pontuado para tentar justificar o conceito de Baraminologia após uma suposta catástrofe global que para os criacionistas representa o diluvio bíblico. A ideia é tentar estender este tipo de pensamento religioso para o Fanerozóico e tentar explicar a fauna do Cambriano. Ao fazer isto, o autor comete uma série de equívocos – como veremos adiante.

O que o discurso tenta fazer é dar conta de um processo rápido de especiação poderia explicar a diversidade de um grupo biológico a partir de um casal arquetipo que foi resguardado na arca de Noé. Isto deixa claro que a defesa é claramente religiosa e não científica. A maior evidência do conteúdo religioso proselitista é dada no próprio texto como se observa no trecho abaixo:

“The curious thing is that research related to speciation in real time both confirmed the observations of Darwin within the functional biology (punctuated equilibrium) and destroys the evolutionary postulates in terms of geological periods (gradualism filético) and it is perfectly communicated to the model BIBLICAL DOOM bet at rapid speciation driven by the effect of bio-modifications limited to the base type.”

O texto acaba tratando a Bíblia como um modelo científico. O texto explicita seu caráter religioso e enviesado a pseudociência.

– Baraminologia e estudo de “tipos básicos”

There is a very fluent communication between the biological Darwinism and the ASCR biological model, where many use evolutionary discoveries, such as speciation in real time, to get more of the historicity of short period of time and using the recent radiation as justification for the whole biodiversity. The synthetic theory of evolution, more specifically acting under biological, who teaches the differentiation of species, in this context, has low discord among the more advanced classes of ASCR, especially in the movement of “Baraminology…”

Diferente do que afirma o autor, não há uma comunicação entre a evolução biológica e a baraminologia. Não há equivalência porque a biologia evolutiva com teoria e fundada pelo método científico e epistemologicamente delimitada. A baraminologia é um termo inventado, não científico, visando abarcar uma concepção teológica específica A evolução é uma teoria científica, a baraminologia criacionista é uma crença religiosa. A evolução está longe de concordar e se relacionar com a baraminologia. Como vimos acima, a evolução trata as relações biológicas entre os seres vivos em forma de árvore, com fósseis e evidencias genética relacionando os grupos, a baraminologia prega religiosamente que as formas de vida são criações divinas intencionalmente separadas.

O autor tenta criar uma falsa equidade entre condições claramente distintas para tentar criar uma caricata versão de igualdade em termos científicos entre as duas condições. Uma série de falsas correlações e falácias fazem parte de todo o corpo do artigo, expressando uma intencionalidade em indução ao erro para a promoção do analfabetismo científico.

“Since 1941, the ASCR model goes against the idea that speciation is synonymous with “evolution” through speciation-related studies in the field of Baraminology (Marsh, 1941; Wise, 1992; Robinson and Cavanaugh, 1998; Frair, 2000; Jerlström, 2000; Wood and Cavanaugh, 2001; Cavanaugh and Wood, 2002; Wood, 2010; Aaron, 2014). The American biologist Dr. Frank l. Marsh, a founder of the Creation Research Society coined the word “baramin” (Marsh, 1941; Frair, 2000)…”

Evidentemente que o conceito de arquetipos básicos da Bíblia (baramins) vai ser contra a ideia de especiação como sinônimo de evolução. O discurso apresentado no texto é claramente religioso e tudo que não está alinhado ao credo é rejeitado pelo movimento criacionista. Por esta razão são denominados não apenas como pseudociência mas por anti-ciência por negar conceitos dissonantes. Notemos atentamente a 2 detalhes: o primeiro refere-se a citação do Instituto de Pesquisa da Criação (ICR); em segundo lugar, assume que a definição de especiação está na contramão do que prega a baraminologia, mas no comentário anterior destacamos que os autores afirmam haver uma comunicação muito fluente entre o darwinismo biológico e o modelo baraminológico; uma clara contradição na própria estrutura argumentativa do grupo criacionista

– Entropa genética em especiação

“Another major obstacle against phyletic gradualism model is that it is neutral in relation to the improvement or worsening of the process of speciation, although it is assumed that genetic drift causes loss of genetic variation in small populations. The model of many basic recent catastrophism ancestors (ASCR) with the proposal of genetic entropy, argues that speciation results in loss of genetic information and the consequent genome degeneration due to adaptations as evasive capabilities, dangerous and stressful for the people (Ariza, 2007; Sanford, 2014; Crabtree, 2013a, 2013b).”

O conceito de entropia genética não é um conceito biológico legítimo, ou seja, não é cientificamente aceito. Este conceito foi criado por John Sanford e não é aceito pelos geneticistas.  Ao contrario do que diz Sanford, o termo entropia é unanime entre diferentes campos do conhecimento científico, ele se refere a uma grandeza termodinâmica direcionada a aproveitabilidade de energia de sistemas. Sua extensão para aspectos genéticos é falaciosa e descontextualizada. Há somente o termo entropia da informação.

Em suas alegações, Sanford defendeu o conceito de “devolução” ou “involução”. Segundo suas modelagens, ele concluiu que o genoma está se deteriorando e, portanto, não poderiam ter evoluído na forma especificada pela síntese evolutiva moderna. Para Sanford, devido a acumulação de mutações prejudicais ser maior que as neutras ou vantajosas cada indivíduo carrega consigo as suas próprias mutações bem como aquelas adquiridas dos ancestrais. Desta forma, segundo ele, o grau de desordem do genoma tende a aumentar e condenar toda espécie a extinção. Assim, a cada geração carrega consigo cerca de 100 mutações novas e portanto, se a evolução ocorre a milhares ou milhões de anos a tendência é que a espécie entre em extinção.

O fato é que existem animais cujos ancestrais datam milhares de anos e se realmente a entropia genética ocorresse não havia descendentes, ou caso haja, seus descendentes somente dariam prosseguimento ao estado de degeneração de tal modo que toda a vida na Terra já estaria extinta. Não é isso que a biologia mostra. Ela mostra um mosaico de diversos grupos biológicos, a diversidade biológica e a diversidade genética bem como a origem de subespécies e variações detectáveis pela ciência a curto e longo prazo.

A apresentação de uma “degeneração genética” é apresentada por criacionistas para tentar enredar a ideia de que após a queda do homem do jardim do Éden, ele vem se deteriorando moral e geneticamente.

Este termo traz um grande entrave para os proponentes do design inteligente: se o grau de desordem da genérica dos seres vivos está aumento e as mutações deletérias estão tomando conta da vida após a queda do Éden, como poderia o genoma supostamente sustentar a ideia de complexidade irredutível? (termo que também é utilizado pelos criacionistas)

Isto significa que se a entropia genética aumenta, não é possível que haja complexidade irredutíveis uma vez que seriam decompostas pela “entropia” crescente. Este é um exemplo em que um conceito criacionista anula outro.

O termo entropia genética não existe, e pseudocientífico, mas a entropia da informação não. Em conclusão, novas informações genéticas são criadas pelas mutações que alteram uma informação já presente, ficam fixadas pela seleção natural aquelas que são vantajosas e que conferem aptidão. Este processo vai fluindo entre as gerações, de tal forma que somente as informações com menos incertezas sem mantém no fluxo da vida, uma vez que informação corrompida não aumenta aptidão. A mutação é o motor da evolução, e a seleção natural filtra.

Em teoria de informação, por exemplo, a seleção natural atua exatamente igual ao conceito da física chamado de “Demônio de Maxwell” diminuindo a entropia da informação (Adami et al, 2000). Existem muitas formas da informação dos genes ser criada ou alterada. Nos últimos anos, detectar a incidência de quaisquer substituições benéficas em genes contou com muitas inferências estatísticas e evidências empíricas (Nozawa & Suzuki, 2009).

Em muitos casos, por exemplo, mutações non-sense e mudanças na diversidade alélica podem ser induzidas por fatores que podem imitar efeitos seletivos, como conversão gênica, hotspots mutacionais, recombinação gênica, carona de materiais genéticos, ou mesmo deriva genética, mas a translocação, duplicação genômica, fusão, transposição e outros fenômenos genéticos explicam a criação de novo material gênico e como ele pode servir como matéria-prima para a origem de nova informação a partir de mutações (Veras, 2012).

Seleção darwiniana é um filtro, permitindo que somente medidas informativas (aquelas que aumentam a capacidade de sobrevivência um organismo) possam ser preservadas. Em outras palavras, a informação não pode ser perdida em um evento como esse, porque uma mutação corrompendo a informação é removida devido a queda da aptidão.

Uma mutação que corrompe a informação não pode aumentar o fitness, porque se o fizesse, então a população não estava no estado de equilíbrio. Consequentemente, apenas as mutações que reduzem a entropia são mantidas, enquanto mutações que aumentam que são removidas com a morte do animal (Adami et al, 2000)

“Speciation in proportion to the biodiferenciador behavior observed is missing the fact that there is only about 300,000 fossil types repeating one of the estimates of trillions of samples in all geological strata to the pleistosceno (Woodmorappe, 2000; Sadava et al., 2009; Loceye, 2016). This fact indicates the absence of sequences during the process of speciation when contrasted with 8,700,000 estimates of species alive (Live et al., 2011)…”

O termo baraminologia foi inventado justamente para dar conta da diversidade de formas de vida que há na natureza. Como é impossível introduzir 8.700.000 espécies dentro de uma arca, atribuiu-se o termo baramin para introduzir somente arquetipos, que ainda sim seriam muitos e que biologicamente não poderiam ter evoluído nas diversas espécies atuais em apenas 4 mil anos.

“In other words, the absence of “diversity” in the fossil record reveals that the diffs occur most at present (millions of species) throughout the geologic column (hundreds of thousands). This episode indicates a time in which living beings not needed often adapt to survive, because they live in an environment more conducive to life…”

Os autores concluíram que os registros fósseis são pobres em diversidade, mas sempre citam a explosão de diversidade do Cambriano: há uma clara contradição apresentada no texto, pois o registro fóssil é rico em diversidade de formas de vida do passado. A ideia por traz deste discurso é que a suposta “baixa diversidade” represente um fenômeno da deriva genética que ocorreu a alguns milhares de anos, o que supostamente justificaria a Terra-Jovem de 6 mil anos. Todavia, o texto trata de falar de fósseis usando a escala geológica em milhões de anos, inclusive para argumentar sobre o começo do Fanerozóico a 540 milhões de anos. Aqui, neste paragrafo sustentar uma postura de milhares de anos e uma suposta ausência de diversidade. Não há linearidade no raciocínio apresentado que ora fala em grande diversidade e ora em baixa; ora trata do tempo em milhões de anos e em seguida sugere baramins de poucos milhares de anos. O texto ainda apresenta um gráfico com uma legenda mostrando o Éon Fanerozóico com a escala em milhões.

“However, the curious thing is that evolutionists suggest that in 90% of the total 544 million years ago the Phanerozoic, bio-modificações stagnated, repeating in the geologic column the same species and only recently in the current layers…”

Tal afirmação usa um gráfico com datas apresentada representando a escala de milhões de anos, entretanto, a referência desta imagem em artigo não foi encontrada. A única referência encontrada em artigo retrata a diversidade de famílias marinhas e a biodiversidade não é tão distinta quanto o sugerido.

As mudanças na biodiversidade do Fanerozóico mostradas pela evolução das famílias marinhas (Sepkoski, 1984). O Cambriano, o Paleozóico e o Mesozoico-Cenozoico (Pal: Período de Paleogeno, Neo: Neogênico.) As faunas são mostradas com cores azul escuro, verde e azul, respectivamente. Os números indicam os 5 principais eventos de extinção do Fanerozóico.

Exemplos de especiação rápida

“There are several reports of emergence of new “species” in periods ranging from ten thousands of years ago. According to this information, the speciation is a phenomenon that does not require millions of years to happen. The American biologist, Dr. James Gibson, Director of the Geoscience Research Institute (GRI), an institution affiliated with the University of Andrews (USA), maintained by the SeventhDay Adventist Church…”

O artigo se encerra citando um autor da Igreja Adventista do sétimo dia que assume a ocorrência de uma especiação rápida para tentar justificar a explosão de diversidade pós-diluvio nos últimos 4 mil anos. O autor assume o processo de especiação, mas adéqua-o a uma concepção religiosa previamente estabelecida ignorando artigos que mostram a origem de diversas espécies datadas em mais de 10 mil anos, pois entra em conflito com sua crença.

Conclusão

Duas conclusões são possíveis de tirar deste texto. A primeira delas refere-se aos constantes erros gramaticais e conceituais. As definições deficientes foram intencionalmente criadas afim de justificar uma crença religiosa pré-concebida. Para tal, torna-se valido re-interpretar dados científico – recorrendo a falácia “quote mining”- e adequar a ciência segundo sua crença. Desta forma, o texto publicado na revista predatória indica claramente o modus operandi do Design inteligente, usando interpretações bíblicas, descontextualizações e conceitos religiosos.

A segunda conclusão que tiramos é a periculosidade das revistas predatórias/; aquelas que não passam por qualquer mecanismo de verificabilidade das fontes e hipóteses que garantem a qualidade e critérios realmente científicos. Este tipo de publicação depende somente do pagamento para que o texto seja publicado. Mais de mil periódicos, provavelmente predatórios, foram identificados por pesquisadores da Universidade do Colorado. Este tipo de revista tem um impacto negativo na comunidade científica e na divulgação de ciência, pois os baixos critérios de averiguação permitem que conceitos pseudocientíficos, afirmações informais e erradas sejam publicadas com um suposto conteúdo verossímil. Por esta razão este tipo de publicação acima foi aceito. Considerando que não há definições científicas, há discursos proselitistas, conceitos errados, falácias e re-interpretações podemos dizer que tal publicação está longe de corresponder a um artigo científico, expressando somente uma manifestação de credo compartilhada entre membros de uma mesma denominação religiosa.

Victor Rossetti

Palavras chave: NetNature, Rossetti, Criacionismo, Design Inteligente, Baraminologia, Pseudociência, Quote mining.

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Referências

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